CRÔNICA

Crônica de carnaval - Por Luis Cosme Pinto

Escrevo esse texto no meio do Carnaval. O Carnaval dos blocos, do calor e do Oscar

Escrito em Opinião el
Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 60 anos de idade e 35 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.
Crônica de carnaval - Por Luis Cosme Pinto
Carnaval em São Paulo. Rita Lisauskas

Nesses dias tudo muda, inclusive as notícias. Até as mais banais, como as de roubo de celular. Ninguém desconfiou daquele grupo de homens e mulheres fortes com fantasias coloridas de Power Rangers. Eles começaram a dançar e cantar até que algemaram um ladrão de telefones no meio da festa. Parecia brincadeira, que nada. Foram até a casa do suspeito e lá encontraram alguns milhares de reais e mais celulares roubados. Os super-heróis eram policiais disfarçados. “A casa caiu!”, gritaram.

Nenhuma outra época do ano é tão particular. São Paulo, que já foi chamada de túmulo do samba, mais por implicância do que pela falta de grandes músicos, é da folia. E esse ano o país inteiro ainda teve o Oscar para comemorar.

Você pode não ver graça, mas ignorar é impossível. A simplicidade dos foliões de rua, por exemplo, é encantadora. Um turbante dourado e a máscara da Fernanda Torres, a barba roxa e os óculos de gatinha. Uma sunga verde e nada mais.

Não faz tanto tempo, a segunda-feira do Momo era dia útil. Útil não sei pra quê, mas banco, açougue, oficina, tudo abria. Em São Paulo, o carnaval de rua era envergonhado, com poucos blocos. A maioria se divertia nos clubes ou no desfile das escolas de samba.

Nos dias de festa a gente via trabalhador sério com a gravata apertada e de olho no relógio. Hoje, a folia nos surpreende numa virada de esquina e o tal funcionário engravatado rebola de mini saia, com as coxas peludas de fora. Trabalho é depois da quarta e olhe lá.

Sentidos atentos, vejo, ouço e sinto o cheiro de mais um bloco. De todos os lados, foliões engrossam a multidão. Ambulantes aliviam nossa garganta e a própria conta bancária com cerveja a 20 reais no pix.

O único obstáculo é um caminhão de mudança. Grandalhão, quase fecha a visão de quem está do outro lado da rua. Quase, porque na altura dos pneus vejo passar tênis vermelhos, sandálias de lantejoulas e tornozelos brilhantes de glíter e suor. Alguns segundos de curiosidade e o grupo aparece do outro lado do caminhão. Pelo menos 15 pessoas vão em direção ao metrô. Sigo-lhes os passos.

Lá embaixo, uma dupla sem fantasia destoa da pequena multidão. Um menino e um senhor de mãos dadas.

O menino pede.

- Vamos pela escada rolante?

O homem de cabelos brancos aceita. E logo depois, o garoto, por volta dos seis anos, convida.

- Vamos pela esteira?

Novamente, o homem concorda com um sorriso de muitos dentes.

Por algum motivo misterioso, todas as crianças que conheço gostam de metrô, adoram escadas rolantes, vibram com esteiras. E pode apostar, o que um neto curte o avô ama com as vísceras.

Os dois pegam o trem e sentam.

- Vô posso coçar suas costas?

O avô levanta camiseta e vira de costas para o neto, que fica de pé. As mãos pequeninas passeiam por uma tatuagem colorida e algumas pintas.

- Vô, porque a gente tem sinal?

- É que nem cabelo branco, aparece com o tempo.

- Que nem pelo na orelha?

- Isso. Aííí Guilherme, coça um tico mais pra cima...mais pra baixo.

Guilherme é pura concentração.

- Tá bom, vô?

- Dá uma circuladinha.

Os dez dedos esfregam com carinho e firmeza as costas do avô.

- Assim?

- Tá ótimo. Quer brincar de forca?

O menino balança a cabeça e o avô pega um bloco na mochila. Desenha a forca e escolhe uma palavra de oito letras, que começa com C.

- Vô, é fácil ou difícil?

- Basta você olhar em volta que descobre na hora.

Guilherme encara o avô com olhar maroto.

- Acho que vou completar de primeira. Carnaval é com U ou com L?

Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter. O livro foi semifinalista do prêmio Jabuti 2024

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