OPINIÃO

Força Municipal Armada representa mais insegurança para o Rio de Janeiro

Proposta de criação de uma Força Municipal Armada no Rio de Janeiro ignora lições da história, fragiliza a segurança pública e pode ampliar o caos em vez de combatê-lo

Força Municipal Armada representa mais insegurança para o RJ.Créditos: Fernando Frazão / Agência Brasil
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O Rio de Janeiro já foi a cidade maravilhosa. Hoje, a beleza resiste nos cartões-postais, mas a vida cotidiana corre entre o medo e a desilusão. O crime se impôs nas esquinas e nos morros, sequestrou ruas, tomou territórios. A polícia, tantas vezes impotente, age quando pode e do jeito que dá. A população, encurralada entre a violência e a promessa sempre adiada de segurança, vê surgir mais uma ideia: a criação de uma Força Municipal Armada.

A proposta chega com ares de solução, mas carrega erros que o tempo e a experiência já desmentiram. O prefeito alega que está respaldado por uma decisão do STF, mas omite que o Supremo não deu carta branca para qualquer guarda municipal empunhar armas e assumir funções de polícia. A Constituição ainda é clara: a segurança pública é dever dos estados, não dos municípios. Se há espaço para um papel maior das guardas municipais, esse papel precisa ser definido com precisão, respeitando limites e garantindo que a cidade não se transforme em um tabuleiro onde cada um move suas peças sem regras.

A pressa em aprovar o projeto faz com que pontos essenciais fiquem mal explicados. O mais alarmante é a regra que obriga a demissão de todos os agentes a cada seis anos. Nenhuma força policial do mundo funciona assim. Segurança pública exige continuidade, exige memória institucional. Quem treina para proteger precisa de tempo para aprender e, mais ainda, para aperfeiçoar o que aprendeu. Como esperar que uma tropa com data de validade funcione melhor que as que já existem?

A rotatividade prevista no projeto cria um paradoxo: a cidade investirá tempo e dinheiro no treinamento de agentes que, ao atingirem um nível de maturidade operacional, serão dispensados. No lugar deles, novos recrutas começarão do zero, num ciclo permanente de inexperiência. Um projeto que, em teoria, busca reforçar a segurança acabará fragilizando-a.

A justificativa para essa regra não é técnica, mas política. Criar uma força sem estabilidade de carreira significa manter agentes sob controle constante. Uma tropa que não acumula experiência não acumula também senso de pertencimento, não reivindica melhores condições de trabalho, não questiona ordens superiores. É uma força descartável e, por isso mesmo, mais suscetível a ser usada de forma política, sem contestação, sem resistência. A história já mostrou que forças criadas com essa lógica servem menos à população e mais aos interesses de quem as controla.

Outro problema é a falta de um plano claro de integração com as polícias Militar e Civil. Como essa nova força se coordenaria com elas? Quem comandaria as operações? Quem assumiria a responsabilidade em caso de erro? O Rio já convive com conflitos entre diferentes forças armadas, muitas vezes operando sem diálogo. Acrescentar mais uma peça a esse tabuleiro sem definir bem seus movimentos criará, no mínimo, mais confusão. No pior cenário, aumentará o risco de abusos, confrontos desnecessários e uma escalada da violência.

Se há algo que o Rio de Janeiro não precisa, é de mais agentes mal preparados circulando armados pelas ruas. A cidade já convive com batalhões da PM, da Polícia Civil, da Guarda Municipal, com agentes federais, seguranças particulares e milicianos disfarçados de tudo isso. Não faltam armas, não faltam fardas. Falta estratégia, falta inteligência, falta planejamento.

O argumento de que mais armas nas ruas trazem mais segurança precisa ser enfrentado com seriedade. Há décadas o Rio está entre as cidades mais policiadas do país e, ainda assim, a criminalidade só se sofisticou. A milícia nasceu de policiais, cresceu com policiais, domina bairros inteiros e dita regras para a população que deveria proteger. O tráfico já não se limita a favelas e comunidades isoladas, mas impõe sua presença em áreas que antes eram redutos da classe média. Em meio a esse cenário, criar uma nova força armada sem um plano realista para lidar com as dinâmicas do crime organizado soa ingênuo ou, pior, oportunista.

O Rio de Janeiro não precisa de uma força municipal armada. Precisa de uma política de segurança pública que vá além da lógica da guerra. Desde a redemocratização, a resposta oficial à criminalidade no Rio tem sido a militarização crescente da cidade. Cada nova gestão promete um choque de ordem, um endurecimento das leis e um aumento do efetivo. O resultado nunca vem. O crime não diminui. A desigualdade cresce.

As cidades que conseguiram reduzir seus índices de violência seguiram outro caminho. Bogotá e Medellín, na Colômbia, investiram em urbanização, educação e geração de empregos. Lisboa e Nova York transformaram suas forças policiais com inteligência e tecnologia, substituindo o enfrentamento direto por uma lógica de prevenção e eficiência. A polícia, em todas essas experiências, foi reformada, não expandida. Melhor treinada, não multiplicada.

Se há algo que o Rio de Janeiro precisa, não é de mais farda nem de mais armas, mas de inteligência e estratégia. Os países que conseguiram reduzir a violência investiram em tecnologia, integração entre forças de segurança e, principalmente, em políticas sociais que atacam o crime na raiz. Mais do que um novo batalhão, o Rio precisa de um plano que recupere sua capacidade de viver sem medo. A insegurança não será resolvida com mais muros, mais câmeras, mais soldados. Será resolvida quando a cidade voltar a pertencer a quem nela vive.

O Rio de Janeiro ainda pode ser maravilhoso, mas não será pela força. Será pela justiça.

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