Lembra que eu estava em Trieste, pensando para onde ir? Bem, escrevo para contar que escolhi meu próximo destino!!
Mas antes de contar para onde fui, faço um pequeno aparte sobre como se movimentar aqui, neste continente. Europa sempre se locomoveu em trem e digo, sem titubear, que é meu meio de transporte preferido.
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O trem parte e chega sempre no centro da cidade, não precisa de “transfers”. Não existe “check in”, nem pesagem de bagagem, raio x, ou garrafa de água capaz de descarrilhar uma composição. A gente pode chegar cinco minutos antes da partida e embarcar, sem estresse. Durante a viagem dá para caminhar pelo trem, ir ao banheiro sem fazer fila, comer no vagão restaurante, admirar a paisagem, dormir com a perna esticada e não ter ninguém “caindo” no teu colo.
Mas quando não existe um trem entre duas cidades, e na Europa algumas raras vezes não tem nem com conexão em algum lugar completamente desconhecido, existem algumas poucas linhas regulares de ônibus que partem de terminais rodoviários improvisados, quase sempre ao lado da estação de trem, com horários não muito frequentes e com ônibus convencionais muito inferiores aos nossos ônibus convencionais. E foi essa a única opção que encontrei para sair de Trieste e continuar minha viagem para Ljubljiana.
Cheguei na capital da Eslovênia junto com a primeira neve daquele inverno e encontrei a cidade vestida para o Natal: toda branca e iluminada. Já era noite e as ruas estavam lotadas de jovens, velhos, crianças, turistas, eslovenos e demais seres humanos, todo mundo passeando, comendo ou dançando na frente de pelo menos três palcos com bandas que tocavam ao vivo e embaixo da neve que não parava de cair. Uma alegria que não vejo na Itália. Um contraste muito forte com o triste humor triestino, que está ali ao lado, a apenas 80 km de distância.
A gente fica imaginando estes países ex-socialistas como pequenas repúblicas mais terceiro-mundistas do que europeias, e a realidade é bem diferente. Encontrei uma cidade dinâmica, com edifícios antigos e novos bem conservados, muitas lojas e restaurantes abertos, muita música, muita vida. Como imagino que pouca gente conheça a Eslovênia ou sua capital, a impronunciável Ljubljana, acho legal contar um pouco da sua história, mas quero contar sua história mítica.
Para isso, primeiro preciso dizer que o símbolo da cidade é um dragão, que aparece no seu brasão e decorando uma das pontes mais fotografadas do país.
Depois pergunto: quem conhece a lenda de Jasão e o Velocino de Ouro? Dos argonautas? Quem assistia sessão da tarde na década de 60? Bom, vou contar uma parte do filme.
Jasão era um herói grego, filho do Rei Esão, que estava velho e cansado de ser rei da Tessália. Chamou o irmão e fez aquilo que a gente vive dizendo que não se deve fazer: um acordo verbal, ainda mais em família. Passou a coroa para Pélias, o tal do irmão, mas com a condição de que este cedesse o reinado a seu filho quando ele tivesse idade suficiente para governá-lo. Como vocês já entenderam, quando Jasão chegou a maioridade, o tio se negou a entrega-lhe o reino e mandou que ele fosse à Ilha de Colcos buscar o velocino de ouro, como uma prova para ver se ele era capaz e quem sabe, um dia, herdar o trono, ou nem voltar para reclama-lo. Jasão topou a parada, reuniu os jovens mais valentes da Grécia para acompanhá-lo e mandou construir um navio muito especial para este desafio, que batizou de Argo. É daí que vêm os “argonautas”, seus valentes tripulantes.
Chegando na ilha, encontraram o rei Aetes, que lhe disse que precisaria cumprir algumas tarefas para conseguir o Velocino de Ouro. Vou pular as duas primeiras tarefas, que você pode encontrar no Google ou no Youtube, e vou para a mais importante: ele teria que derrotar o dragão para pegar o velocino de ouro que o monstro, que nunca dormia, protegia.
Na noite anterior ao confronto, a filha do rei, Medéia, pelo visto apaixonada pelo herói, veio avisá-lo que sabia dos planos de seu pai, de fazê-lo prisioneiro no dia seguinte, mas ela tinha como ajuda-lo. Entregou a Jasão um vidrinho com uma poção mágica e naquela mesma noite Jasão fez o dragão dormir sob o efeito da magia de Medéia, enquanto lhe roubava seu tesouro, e fugiram antes do amanhecer, juntos, de volta a Tessália.
Segundo uma versão não autorizada da lenda, neste retorno Jasão teve que atravessar o Danúbio para alcançar ao mar Egeu e, ao cruzar o Rio Sava, afluente do Danúbio, teria chegado a Ljubljana e aí encontrado um outro dragão, o da ponte. Parece que existia uma verdadeira população de dragões nessa região porque a vizinha Klagenfurt, em solo austríaco, também tem um desses bichanos no seu brasão.
Tem ainda uma outra versão, de que seria o dragão de São Jorge, que não entendi bem quando passou por aqui, argonauta eu sei que ele não era. Enfim, o certo é que ouvir esses “causos” contados pelo guia, que me levou por uma curta caminhada pelo centro, onde fazia -3°, foi delicioso.
O guia também me contou sobre coisas menos fantasiosas, como o cerco sofrido no final de Segunda Guerra Mundial. Na noite de 22 para 23 de Fevereiro de 1942, a cidade foi completamente circundada e fechada por uma cerca de arame farpado construída pelo exército invasor italiano, vejam vocês, que mantiveram um controle muito restrito de quem entrava e saia da cidade, até setembro de 1943. Muitos eslovenos morreram nas mãos dos italianos, mas, de alguma forma, este cerco garantiu a preservação física da cidade durante a Guerra.
Depois chegaram os alemães, que em 1943 ocuparam a cidade e por aqui ficaram até 1945, quando foram invadidos por outro exército, Tito e seus iugoslavos. A essas alturas do campeonato é difícil definir quem ocupava e quem libertava cada pedaço de terra europeia.
Em 1991 a Eslovênia se separou da Iugoslávia e em 2004 entrou para a União Europeia, assinou o Tratado Schengen e foi aceita na Zona do Euro. Para quem tinha sido parte do Império Austro-húngaro nos séculos anteriores, voltar a viver nessa zona, cuja liderança no final das contas é germânica, deve ser um pouco como a Síndrome de Estocolmo.
By the way, a maior parte da população é bilíngue, além do esloveno falam inglês, ou alemão, ou italiano, ou os quatro, mas o russo nunca fez parte do universo linguístico local. E eles têm orgulho disso.
Chegou a hora de voltar para casa e como daqui não sai nenhum trem para a Itália, vou ter que pegar um ônibus até Venezia. Hummm ... quer dizer, também não tem ônibus .... mas tem uma van, e daquelas pequenas, para no máximo sete pessoas, lotada de chineses ... e como é a única opção, aqui vou eu!
Abraços!!
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum