OBRA

Paixão Karl Marx: Os hieróglifos da modernidade

Obra fala sobre vida e ideais do filósofo de Trier. É uma espécie de ABC didático, ilustrado com mais de 300 fotos, desenhos, documentos e obras de arte

Escrito en OPINIÃO el

“Paixão Karl Marx: os hieróglifos da modernidade”, de Daniel Bensaïd, recentemente publicado pelo Gabinete Plebeu de Leitura, é um livro que, quando terminado, induz no leitor uma vontade de escrever. A obra trata com profundidade o pensamento marxiano, contrastando-o com as contradições e as complexidades da modernidade. Este é um talento nato de Daniel Bensaïd, que, como se sabe, além de filósofo consagrado, foi militante da causa proletária desde o Maio francês de 1968, o qual liderou ao lado de outras importantes personalidades políticas, até seus últimos dias, havendo-se de destacar seu prolífero tempo à frente da Liga Comunista Revolucionária (LCR), partido de orientação trotskista vinculado à Quarta Internacional, e, despois, no Novo Partido Anticapitalista.

A obra fala sobre a vida e as ideais de Karl Marx. É uma espécie de ABC didático, ilustrado com mais de 300 fotos, desenhos, documentos, obras de arte, sobre a luta, a labuta e o destino do filósofo de Trier. Registros biográficos à parte, do ponto de vista acadêmico, é possível dizer que o livro foca na paixão obstinada de Marx pela compreensão crítica da sociedade capitalista. Um interesse que não se esgota no entendimento intelectual e que perpassa a uma incansável prática de militância político-revolucionária.

Para Bensaïd, já estaria bom se Marx se limitasse a analisar filosoficamente a natureza do capitalismo. Mas o “Mouro” jamais renunciou a tentar decifrar os “hieróglifos” da modernidade, ou seja, a complexidade das relações sociais e econômicas com o olhar no tempo presente e na importância da transformação, postura condizente com sua 11ª tese sobre Feuerbach: “os filósofos têm interpretado o mundo de maneiras diferentes, mas a questão central é como transformá-lo”.  

Bensaïd explora com perfeição a ideia de tempo histórico de Marx, avessa à noção determinista. O tempo, repleto de rupturas e de possibilidades abertas, acolhe a superação do capitalismo como imposição possível desde então e para sempre. Essa é apenas uma das lições aprendidas no livro que o fazem merecedor de uma leitura atenta a dias de hoje.

Na leitura científica do pensamento de Marx naturalmente há de se levar em consideração alterações no contexto das forças produtivas, mas, ainda assim, a centralidade de sua crítica ao capitalismo é o fiel da balança para a conquista de um mundo renovado em natureza e praxis social. “Paixão de Karl Marx: os hieróglifos da modernidade” não é mais um livro sobre Marx, é uma contribuição acima do comum para os estudos marxistas e para a atual filosofia política contemporânea.

Como complemento de sua grandeza, a edição em português conta, além do prefácio original de Francisco Louçã, com outro adicional de Michel Löwy, sociólogo e filósofo marxista brasileiro radicado na França, notabilizado por suas contribuições para a teoria marxista, referência capital para a esquerda moderna. Para Löwy, Bensaïd apresenta “um Karl Marx libertado de cultos e fetichismos, com suas paixões e suas contradições, autor de uma obra inacabada, que não constitui um sistema fechado – como o diamat fabricado pelo stalinismo – mas um pensamento em movimento. Uma obra cujo centro era naturalmente a análise e a crítica do gênio maléfico da modernidade, o sistema capitalista. Um sistema dominado por parasitas exploradores, movidos pelo frenesi do lucro e pelas águas gélidas do cálculo egoísta, mas submetidos, eles mesmos, à lógica impessoal das relações mercantis”.

Finalmente, há de se destacar o acabamento do livro realizado pelo Gabinete Plebeu de Leitura, uma editora que também é sede de biblioteca pública em Fortaleza, com magnífico acervo de obras voltadas à compreensão crítica da sociedade, bastando dizer que possui mais de duas centenas de versões do Manifesto Comunista em diversos formatos e idiomas. O equipamento, idealizado pela professora do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará, Adelaide Gonçalves, além de oferecer ao público a leitura crítica, também realiza saraus de discussão, atividades políticas, ademais de funcionar como editora.

A edição em comento é belíssima. Toda em papel duro, capa grossa e, como dito, ricamente ilustrada. Um volume imponente para integrar bibliotecas e mais valioso ainda para aperfeiçoar consciências. O livro pode ser adquirido no Instagram @plebeulivros.

*Marcelo Uchôa é advogado, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), com estudos de pós-doutorado em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (USAL).

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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