OPINIÃO

O que a esquerda brasileira tem a aprender com o Die Linke – Por Chico Cavalcante

A experiência do Die Linke demonstra que, mesmo em um cenário de polarização e avanço da extrema-direita, é possível recuperar espaço político com coerência programática, comunicação militante e uma conexão genuína com as demandas da população

A deputada Heidi Reichinnek, do Die Linke.Créditos: Martin Heinlein
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A imprensa internacional tem se concentrado no crescimento da extrema-direita nas últimas eleições alemãs, especialmente na “Alternativa para a Alemanha” (AfD), que dobrou seu tamanho e ficou em segundo lugar, atrás apenas da democracia cristã (CDU). Na antiga Alemanha Oriental, a extrema-direita foi a mais votada, exceto em Berlim, onde o Die Linke venceu na parte oriental e a CDU venceu na parte ocidental. A ascensão da extrema-direita tem colocado a esquerda em uma situação difícil na Europa e nas Américas. No Brasil, o bolsonarismo continua a influenciar o debate público, e a esquerda precisa se reinventar para reconquistar a confiança dos trabalhadores e ampliar sua base de apoio. A vitória de Lula em 2022 não deve ser vista como um triunfo da esquerda, pois o campo que garantiu sua eleição foi muito mais amplo.

A experiência do Die Linke demonstra que, mesmo em um cenário de polarização e avanço da extrema-direita, é possível recuperar espaço político com coerência programática, comunicação militante e uma conexão genuína com as demandas da população, especialmente dos jovens. Para a esquerda brasileira, que ainda busca caminhos para se reposicionar no debate público, as estratégias adotadas pelo Die Linke podem servir como um guia.

Coerência programática e foco nas questões sociais

Um dos pilares do sucesso do Die Linke nessas eleições foi a manutenção de um discurso coerente e alinhado com as demandas sociais e econômicas da população trabalhadora. O partido manteve seu compromisso com a redistribuição de riqueza, a defesa de serviços públicos universais, o aumento de salários e a proteção dos trabalhadores precarizados. Essa clareza programática permitiu que o Die Linke se diferenciasse de outros partidos de centro-esquerda, que muitas vezes adotam posturas moderadas.

No Brasil, onde a desigualdade social é ainda mais acentuada, a esquerda precisa reafirmar seu compromisso com essas pautas de maneira clara e acessível. A experiência do Die Linke mostra que a coerência é uma estratégia eficaz. A população precisa ver na esquerda uma alternativa concreta e confiável, capaz de enfrentar os problemas estruturais sem ambiguidades que afastem as bases populares.

Feminismo estrutural

Outra lição importante do Die Linke é a transversalidade do feminismo em sua agenda política. A deputada Heidi Reichinnek conecta as lutas feministas às questões econômicas e sociais, abordando a desigualdade salarial, a precarização do trabalho feminino e a falta de infraestrutura social que afeta as mulheres trabalhadoras. Essa abordagem integrada permite que o feminismo seja visto como parte fundamental de um projeto de transformação social.

No Brasil, onde o movimento feminista tem sido vibrante, a esquerda precisa incorporar essa visão de forma consistente. As mulheres representam uma parcela significativa do eleitorado e são diretamente afetadas por questões como precarização do trabalho e violência doméstica. Colocar o feminismo como transversal em sua estratégia pode fortalecer a conexão da esquerda com as mulheres, especialmente as mais jovens.

Conexão com movimentos sociais

O Die Linke se destaca por sua capacidade de dialogar e construir alianças com movimentos sociais progressistas. Essa conexão se traduz em políticas públicas concretas e na amplificação das vozes desses movimentos no espaço parlamentar. No Brasil, a esquerda precisa reforçar essas alianças de maneira sistemática, apoiando não apenas movimentos como o MST, mas também dando visibilidade às demandas de comunidades indígenas, quilombolas e LGBTQIA+. A experiência do Die Linke mostra que a esquerda se fortalece quando está enraizada nas lutas reais da sociedade.

Enfrentamento firme à extrema-direita

O Die Linke não terceiriza o enfrentamento à extrema-direita. Enquanto outros partidos tentaram se moderar, o Die Linke manteve uma postura firme contra o racismo e o autoritarismo. Essa clareza ideológica foi essencial para recuperar a confiança de eleitores que enfrentam dificuldades econômicas. No Brasil, a esquerda deve adotar uma postura semelhante, denunciando discursos de ódio e oferecendo alternativas concretas para problemas que a extrema-direita instrumentaliza.

Comunicação militante e diálogo

Um dos fatores que contribuíram para o renascimento do Die Linke foi sua capacidade de se comunicar de forma clara e acessível, especialmente com os jovens. Essa comunicação militante, que combina presença online e trabalho corpo a corpo, foi decisiva. A deputada Heidi Reichinnek, por exemplo, utilizou as redes para falar sobre temas relevantes, conquistando meio milhão de seguidores. Essa estratégia permitiu ao partido atrair novos filiados e reduzir a idade média de seus membros.

A potência da comunicação do Die Linke se deu por seu caráter militante:

Comunicação online atraente e descontraída, que fala, sobretudo aos jovens, de temas importantes como meio ambiente, moradia e pobreza.

Trabalho militante corpo a corpo, em que os ativistas do partido, durante a campanha, bateram em mais de meio milhão de portas para conversar com as pessoas.

No Brasil, a esquerda precisa investir em linguagens e plataformas que dialoguem com os jovens, abordando temas como precarização do trabalho e saúde mental, e promovendo lideranças jovens que representem a diversidade da sociedade. A experiência do Die Linke mostra que, para atrair os jovens, é necessário não apenas falar sobre suas demandas, mas também envolvê-los na construção do projeto político.

Um exemplo a seguir

A experiência do Die Linke oferece lições valiosas para a esquerda brasileira em um momento crítico. Em meio ao declínio de popularidade do governo Lula e ao avanço da extrema-direita, a coerência nas pautas, a afirmação feminista, a conexão com movimentos sociais e o diálogo com os jovens são estratégias essenciais para reconstruir a confiança do eleitorado.

Essas lições só terão impacto se a esquerda brasileira estiver disposta a repensar seus métodos e a priorizar um diálogo com as demandas reais da sociedade. Assim como Heidi Reichinnek representa uma busca de renovação dentro do Die Linke, o Brasil precisa de novas lideranças que combinem compromisso com as causas progressistas e uma visão estratégica para o futuro. A luta é árdua, mas a capacidade de organização e resistência da esquerda não deve ser subestimada. O exemplo alemão mostra que, mesmo em tempos difíceis, é possível esperançar e se reafirmar como força política relevante.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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