OPINIÃO

Sem Anistia: a justiça contra os golpistas de 8 de janeiro – Por Álvaro Quintão

A história julgará o que for decidido agora. E que seja um julgamento justo, severo e à altura do que a Constituição exige

Manifestação contra anistia a Jair Bolsonaro e aos golpistas do 8 de janeiro.Créditos: Roberto Parizotti
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A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro e outros 33 envolvidos nos atos criminosos de 8 de janeiro de 2023 não é apenas uma peça jurídica; é um marco histórico na defesa do Estado Democrático de Direito. O Brasil está diante de uma encruzilhada: punir exemplarmente os responsáveis pela tentativa de golpe ou correr o risco de abrir precedentes para novos ataques às instituições republicanas. A denúncia da PGR é robusta, fundamentada e atende a um princípio basilar da justiça: a impunidade não pode ser tolerada.

Os crimes imputados a Bolsonaro e seus aliados são graves e estão bem tipificados na legislação brasileira. A tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal), o golpe de Estado (art. 359-M), a organização criminosa (Lei 12.850/2013) e os danos ao patrimônio público são delitos que, juntos, podem levar a penas severas. A tese de que os atos de 8 de janeiro foram apenas uma manifestação descontrolada de cidadãos indignados cai por terra diante das evidências colhidas pela Polícia Federal e pela própria PGR.

A narrativa golpista começou muito antes da invasão ao Congresso Nacional, ao STF e ao Palácio do Planalto. Bolsonaro e seu círculo próximo passaram anos minando a confiança no processo eleitoral, difundindo teorias conspiratórias sobre fraudes inexistentes e incentivando a insubordinação de setores militares e civis. A trama que culminou na depredação das sedes dos Três Poderes não foi um evento isolado, mas o desfecho planejado de uma campanha orquestrada para subverter a democracia.

Em qualquer democracia séria, ataques diretos às instituições são tratados com o devido rigor. O Brasil não pode ser exceção. Se os responsáveis por 8 de janeiro não forem devidamente responsabilizados, o recado que se passa é de permissividade com futuras tentativas autoritárias. Não se trata de vingança política, mas da aplicação do direito na sua essência: quem atenta contra o Estado Democrático de Direito deve ser punido, independentemente de sua posição social ou de seu passado político.

É preciso lembrar que as penas previstas nos artigos violados não são meramente simbólicas. Crimes contra a democracia são tratados com seriedade justamente porque sua impunidade gera instabilidade política e incentiva aventureiros autoritários a testarem os limites do Estado de Direito. A tentativa de golpe falhou, mas isso não significa que foi inofensiva. A omissão do poder público em punir os responsáveis apenas incentivaria a repetição desses atos no futuro.

As eleições livres e periódicas são a base de qualquer democracia, mas não bastam por si só. Para que um país seja verdadeiramente democrático, é necessário que suas instituições sejam respeitadas e que a lei seja aplicada de maneira equânime. A impunidade de Bolsonaro e de seus cúmplices significaria relativizar o próprio conceito de Estado Democrático de Direito, transmitindo a mensagem de que a violência política pode ser usada como instrumento legítimo de contestação ao resultado eleitoral.

O Judiciário tem, portanto, um papel fundamental a desempenhar neste momento. O Supremo Tribunal Federal e os tribunais responsáveis pela análise do caso precisam agir com celeridade e firmeza, garantindo que os denunciados respondam por seus atos. A demora em julgar os responsáveis pode ser interpretada como leniência, o que só alimentaria o discurso daqueles que, mesmo derrotados, continuam a questionar a legitimidade das instituições.

Este é um momento de definição para o Brasil. Se a tentativa de golpe não for exemplarmente punida, outras virão. O caminho para evitar retrocessos autoritários passa necessariamente pela responsabilização penal dos envolvidos. A democracia brasileira mostrou sua resiliência ao resistir ao assalto de 8 de janeiro, mas essa resistência precisa ser consolidada com a aplicação da lei. Não basta vencer os golpistas no campo político; é essencial derrotá-los no campo jurídico, assegurando que a democracia nunca mais seja colocada em xeque por aqueles que desprezam suas regras.

A história julgará o que for decidido agora. E que seja um julgamento justo, severo e à altura do que a Constituição exige.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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