Os nomes do deputado Nikolas Ferreira (PL/MG) e da deputada Erika Hilton (PSOL/SP) são os mais falados no debate político brasileiro nos últimos dias. Ambos ganharam destaque em meio à “crise do PIX”, até aqui o maior desgaste deste terceiro governo do presidente Lula. Dois jovens parlamentares, com votações expressivas nos seus estados e líderes de seus respectivos campos políticos.
A polarização entre Erika e Nikolas vai muito além da questão do pix, pois traduz a principal característica da política contemporânea: a disputa entre movimentos identitários rivais na dinâmica daquilo que os estudos especializados vêm chamando de “guerra cultural”. O termo “identitarismo” é um tanto impreciso, até porque a politização das identidades é algo inerente ao processo político, desde que o mundo é mundo, em qualquer lugar e época em que existam seres humanos vivendo em sociedade.
Mas é possível delimitar melhor o conceito. “Identitarismo” se refere a uma modalidade específica de politização das identidades forjada nos EUA a partir da década de 1960, e que se desdobrou em duas vertentes rivais: o identitarismo progressista e o identitarismo conservador. Essas correntes se tornaram movimentos políticos organizados, contando com militâncias aguerridas e formando lideranças. Nikolas e Erika são herdeiros desse ambiente cultural e político que o Brasil importou dos EUA, como fez com tantas outras coisas desde o final do século XIX, a começar pela nossa primeira constituição republicana.
Há muitas semelhanças entre os identitarismos progressista e conservador, a começar pelo interesse em politizar o comportamento, sobretudo as questões sexuais e de gênero. É exatamente essa a prioridade da guerra cultural, que ao deslocar a atenção das urgências materiais para o plano dos afetos e da sexualidade, acaba colaborando para que a dinâmica da acumulação capitalista se desenvolva sem maiores enfrentamentos. Não seria exagerado dizer que os identitarismos progressista e conservador estão a serviço da mesma causa.
Não é coincidência que os vídeos de Nikolas e Erika relativos à crise do PIX foram os mais impulsionados pelas forças que condicionam os algoritmos no mundo da comunicação digital. Um jovem cristão X uma jovem mulher trans, ambos capazes de arregimentar militantes e despertar rejeição no campo oposto. Um prato cheio para a economia da atenção. O PIX e a normativa da Receita Federal foram apenas o pretexto para um enfrentamento que já está posto há algum tempo e, ao que tudo indica, permanecerá mobilizando afetos e ressentimentos.
Quem ganha com essa guerra não é o povo real, sejam as pessoas mais conservadoras que desejam conduzir suas vidas de acordo com os valores da moral cristão, ou mesmo as minorias sociais que buscam reconhecimento e equidade de direitos. Essas demandas são perfeitamente conciliáveis, desde que fossemos capazes de pactuar uma atmosfera de convivência que garanta a inviolabilidade da vida privada e promova a igualdade no acesso aos direitos. Mas isso não interessa às lideranças identitárias que se alimentam da guerra cultural.
Nikolas deseja a polarização com Erika. Erika deseja a polarização com Nikolas. São adversários perfeitos e complementares. O Brasil conseguirá escapar da guerra cultural identitária? Em 2026, aparecerá algum projeto de país capaz de restabelecer a convivência e apontar soluções para os problemas concretos da população?
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.