Donald Trump iniciou seu segundo mandato da maneira que melhor conhece: chamando a atenção. Suas declarações, alinhadas às propostas de sua campanha, como o congelamento de preços em supermercados, a sobretaxação de produtos importados e a manutenção de subsídios considerados temporários, reafirmam ideias que já foram testadas e falharam na América Latina. Essas medidas não só agravarão a crise econômica nos EUA, mas também intensificarão o descontentamento social, paradoxalmente fortalecendo a China, sua adversária declarada.
O cientista político Sérgio Abrantes caracteriza o discurso de Trump como “distópico”, refletindo uma retrotopia, conforme o conceito de Zygmunt Bauman, que apresenta um passado idealizado como solução para as desilusões do presente. Prometer a grandeza nacional e a ruína do mundo soa como um paradoxo surreal, irrealizável, uma equação que não se fecha.
Na sua primeira declaração após a reeleição, Trump reiterou o lema “Make America Great Again” (MAGA), um slogan que remete à campanha de Ronald Reagan em 1980. Essa frase sugere uma restauração do orgulho nacional em meio a uma grave crise de confiança. Ao repetir essa fórmula, Trump cativou uma parte significativa da população, desiludida e empobrecida, oferecendo soluções simplistas para problemas complexos. Uma análise cuidadosa de suas propostas revela um alto potencial destrutivo, capaz de gerar um efeito dominó negativo, agravando as dificuldades já enfrentadas pela maioria dos americanos.
Um dos aspectos críticos de sua agenda é a promessa de deportar milhões de imigrantes ilegais, o que trará graves repercussões econômicas. A mão de obra imigrante é essencial em setores como construção e serviços; sua ausência criará um vácuo no mercado de trabalho, encarecendo os serviços e elevando a inflação. Em contrapartida, a economia espanhola, que cresceu mais do que a dos EUA em 2024, reconhece as contribuições da mão de obra imigrante, desafiando a retórica xenofóbica de Trump.
As políticas protecionistas, como o aumento de tarifas sobre produtos importados, provavelmente aumentarão a dependência de bens chineses, que continuam competitivos. Um estudo do Peterson Institute for International Economics sugere que, em resposta a tarifas, a China pode redirecionar suas exportações, enquanto os EUA lutam para se manter competitivos. Essa dinâmica resultará em uma economia fragilizada, com custos de produção elevados, afetando indústrias vitais, como a automobilística e a de tecnologia.
A retórica agressiva de Trump pode também provocar retaliações comerciais de aliados tradicionais, como a União Europeia e o México, levando à perda de empregos e fechamento de fábricas nos EUA. A interdependência econômica global é clara, e o protecionismo raramente gera benefícios duradouros. Quem assistiu ao filme "Fantasia", da Disney, sabe o que um aprendiz de feiticeiro é capaz de fazer quando tenta realizar tarefas além de suas capacidades.
A imprensa, ao focar no histrionismo de Trump, muitas vezes ignora as consequências sociais de suas políticas, muitas delas já testadas em seu primeiro mandato sem sucesso. O descontentamento gerado por aumentos de preços e escassez resultará em protestos, exacerbando a polarização política e aprofundando a divisão social entre ricos e pobres. Dados do censo, levantados pelo Centro de Dados Kids Count, revelam que 11% das crianças brancas nos EUA vivem na pobreza, enquanto essa taxa atinge 32% entre crianças negras e 26% entre crianças latinas. Nos EUA, 40 milhões vivem abaixo da linha da pobreza, representando 10% da população, uma porcentagem superior à do Canadá e da Coreia do Sul.
Diante de tudo isso, Trump deveria preocupar mais o público interno do que o externo. Sua retórica protecionista tem potencial para agravar a crise econômica, intensificar o antagonismo político e aprofundar o abismo social, contradizendo as promessas de seu slogan. Em um mundo cada vez mais interconectado, políticas de isolamento econômico e alianças com líderes extremistas não promovem a prosperidade, mas criam um gueto ideológico que remete ao passado.
A impactante cena inicial de "Guerra Civil", filme de Alex Garland, ilustra como a narrativa do excepcionalismo americano já não convence. O conflito na trama surge da perda de fé na imagem da “América” como invencível, evidenciando a enorme distância entre a realidade e o sonho. O foco está na fragilidade dos Estados Unidos, “a terra da liberdade”, armada, violenta e dividida, onde a narrativa se revela como o elemento mais letal da história. Estamos mais próximos desse desfecho do que de uma nova hegemonia global liderada por um homem de pele alaranjada que idolatra Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum