OPINIÃO

Big Techs: ameaça aos direitos fundamentais versus liberdade de expressão – Por Álvaro Quintão

Em busca de lucro e influência política, as grandes empresas de tecnologia comprometem direitos e fragilizam a democracia

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A recente decisão da Meta, controladora de plataformas como Facebook, Instagram e Threads, de não mais realizar a verificação de fatos em postagens e de flexibilizar suas políticas contra discursos de ódio, reacendeu o debate sobre os limites entre  liberdade de expressão e direitos fundamentais. Ao anunciar o fim da checagem de notícias e permitir, entre outros pontos, a associação de condições mentais a gênero ou orientação sexual, a empresa não apenas contraria princípios de proteção à dignidade humana, mas também desafia os marcos legais de diversos países, incluindo o Brasil.

O artigo 5º da Constituição Federal brasileira assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevendo inclusive o direito à indenização por danos materiais e morais decorrentes de sua violação. Quando uma plataforma global opta por reduzir a moderação de conteúdo, abre-se espaço para a propagação de discursos que ferem diretamente esses direitos. A permissão para ofensas com base em gênero, orientação sexual ou condições mentais é um ataque não apenas à dignidade individual, mas também à estrutura social.

No Brasil, a responsabilidade civil sobre conteúdo difamatório é clara. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) exige que provedores de aplicações de internet removam conteúdo prejudicial mediante ordem judicial, o que busca equilibrar a liberdade de expressão com a proteção à honra e à imagem. Ao descumprir esses preceitos, a Meta pode vir a ser responsabilizada como infratora do ordenamento jurídico nacional, colocando em risco sua atuação no país.

O discurso de liberdade de expressão, tão frequentemente invocado, vem sendo instrumentalizado como escudo para a permissão de conteúdos ofensivos. Contudo, é fundamental recordar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. O mesmo artigo 5º da Constituição assegura que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, e que a manifestação do pensamento deve respeitar os direitos alheios.

A decisão da Meta também esbarra em dispositivos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que delimita a liberdade de expressão ao condenar propaganda de guerra e incitação à discriminação. No caso específico de discursos que promovam o ódio, a postura passiva da plataforma pode ser considerada cúmplice de violações contra direitos fundamentais.

Além disso, as recentes movimentações de líderes das big techs evidenciam um padrão perigoso. O caso de Elon Musk, que utiliza a plataforma X para influenciar diretamente cenários políticos globais, é emblemático. No Reino Unido, Musk foi acusado de incitar desconfiança contra o governo trabalhista de Keir Starmer, aproveitando-se de desinformações sobre gangues e tensões sociais. Na Alemanha, o apoio ao partido de extrema direita AfD revela como o discurso de ódio e as mentiras podem ser utilizados estrategicamente para desestabilizar democracias. A decisão da Meta, de desmantelar ferramentas de checagem de fatos, coloca Zuckerberg ao lado de Musk em uma aliança implícita com movimentos reacionários que buscam minar pilares democráticos.

Outro exemplo polêmico ocorreu em 2020, quando Musk, em uma troca de mensagens no Twitter, respondeu a acusações de que a Tesla estaria interessada no lítio da Bolívia, insinuando uma conexão entre o golpe contra Evo Morales e interesses corporativos. Ele declarou: "We will coup whoever we want! Deal with it." ("Faremos golpes em quem quisermos! Lide com isso."), frase que depois disse ser uma tentativa de humor. Ainda assim, o comentário gerou intensas críticas, alimentando debates sobre o papel de corporações na política, especialmente em países ricos em recursos como a Bolívia, dona de uma das maiores reservas de lítio do mundo.

A Advocacia-Geral da União (AGU), ao notificar a Meta para esclarecimentos, sinaliza a preocupação com os impactos de tal decisão na jurisdição brasileira. Encerrando nesta segunda-feira, 13, o prazo estipulado para resposta, a AGU busca elucidar como a empresa pretende lidar com questões importantes como racismo, homofobia, violência de gênero e proteção de crianças e adolescentes. Cabe destacar que o alinhamento da Meta com interesses políticos e econômicos de governos extremistas compromete a soberania digital e a capacidade do Brasil de regular suas plataformas.

Em uma época marcada pela ascensão de discursos extremistas e pela polarização, é imperativo que o Estado brasileiro reforce a regulação sobre grandes plataformas digitais. Afinal, a ausência de limites claros pode levar à propagação de desinformação e à ampliação de ambientes hostis na esfera digital. O impacto econômico dessas políticas não pode ser negligenciado: ao fomentar o radicalismo, as plataformas digitais monetizam o ódio, gerando lucro às custas da estabilidade social.

Torna-se imprescindível que o Brasil, em alinhamento com outros países, desenvolva mecanismos mais robustos para responsabilizar as plataformas digitais. Para além disso, é essencial fortalecer a educação digital e a conscientização pública sobre os limites entre liberdade de expressão e discurso de ódio.

A decisão da Meta não é apenas um problema de governança corporativa. Trata-se de uma afronta às conquistas democráticas e aos direitos fundamentais que não podem ser negligenciados em nome de um suposto liberalismo digital. Como sociedade, cabe-nos exigir responsabilidade e compromisso com a dignidade humana, pois sem isso, a liberdade de expressão deixa de ser um direito para se tornar uma arma contra a própria democracia.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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