OPINIÃO

Operação Cavalo de Tróia - Por Chico Cavalcante

A metáfora do "cavalo de Troia" é apropriada porque, assim como o presente grego que escondia soldados em seu ventre, os progressistas estão carregando para dentro de suas próprias fortalezas ideológicas o inimigo que buscam combater

Representação do Cavalo de Tróia.Créditos: Imagem gerada por Inteligência Artificial
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A paisagem política está congestionada de narrativas lineares e conflitantes, com a extrema direita ganhando visibilidade através de táticas que invariavelmente incluem a propagação de desinformação e a utilização de retórica polarizadora. No meio dessa batalha púnica, sem regras claras, alguns dos setores progressistas que buscam honestamente combater essas ideologias estão, inadvertidamente, fortalecendo as vozes que tanto desejam neutralizar. Essa dinâmica é particularmente evidente onde a luta ideológica entre progressistas e ultradireitistas tem reverberações imediatas na vida social e no cotidiano político.

Nossa desvantagem tática nessa luta começa com um fenômeno que poderia ser descrito como "a armadilha de reação". Quando figuras de extrema direita propagam suas mensagens, muitas vezes provocativas e polarizadoras, setores progressistas respondem com vigor, tentando desmentir e combater os pontos levantados ou mesmo ridicularizar o absurdo de uma provocação evidente. No entanto, essa reação bem-intencionada produz o efeito não intencional de amplificar a mensagem original.

Um exemplo foi quando, diante das recentes queimadas que assolaram diferentes biomas, o ex-presidente Jair Bolsonaro se posicionou declarando que tais eventos não passavam de “fogueiras de São João”.

A imprensa e as autoridades demonstraram que as queimadas estavam sendo provocadas pela ação humana, de maneira criminosa. Mas, diante do deboche do ex-presidente, a reação da esquerda foi comer a isca. Imediatamente a fala de Bolsonaro dominou nossos portais de notícia, desencadeando a dinâmica da atenção que a direita objetiva.

A dinâmica da atenção na era digital é regida pelo princípio de que "toda publicidade é boa publicidade". Ao dedicarem tempo e espaço para refutar as narrativas da extrema direita, os blogs e sites progressistas estão inadvertidamente aumentando o alcance dessas narrativas. Cada artigo, tweet ou post que menciona um líder de extrema direita, mesmo de forma crítica, contribui para a sua presença no discurso público. E o legitima.

Ao tratar as falsidades e exageros da extrema direita como dignos de resposta, os progressistas estão inadvertidamente legitimando essas ideias. O ato de responder confere a elas uma aura de credibilidade, como se fossem teorias válidas merecedoras de debate e não distorções da realidade que deveriam ser ignoradas.

A metáfora do "cavalo de Troia" é apropriada porque, assim como o presente grego que escondia soldados em seu ventre, os progressistas estão carregando para dentro de suas próprias fortalezas ideológicas o inimigo que buscam combater. Cada compartilhamento, cada discussão e cada imagem que circula nas redes sociais e na mídia digital carregando a narrativa deles, mesmo com a intenção de a criticar, serve para fortalecer a extrema direita no coração do debate público.

Estamos diante do Efeito Streisand, um fenômeno onde a tentativa de suprimir informações leva à sua disseminação ainda mais ampla. Ao tentar combater ativamente as figuras da extrema direita, os progressistas despertam a curiosidade do público e, paradoxalmente, aumentam o interesse nessas personalidades controversas. Foram as reações da esquerda diante das fake news de Pablo Marçal, em plena enchente do Rio Grande do Sul, que deram cobertura nacional a um guru digital que estava confinado a um nicho.

Nosso desafio é equilibrar a necessidade de corrigir o registro público das narrativas alienantes da ultradireita sem cair na armadilha de amplificar sua fala. Nosso esforço deve se concentrar na criação de um discurso político que se sustente sem a constante referência ao inimigo e se propague por ser capaz de oferecer aos desesperançados a esperança de melhoria de vida, de modo mais convincente do que as promessas de salvação premiada que inundam as redes sociais.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum