Cientistas, climatologistas, ambientalistas e qualquer criatura humana de bom senso acompanha sob tensão inédita as atualizações diárias sobre a tomada de temperatura média na Terra.
Torcemos, todos, para não se consolidar a especulação científica, assentada em dados sólidos, dando conta de que em julho deste ano de 2024 o planeta não esteja ainda operando seus movimentos de translação e rotação em torno do Sol 1,5ºC mais quente do que as médias registradas entre 1850 e 1970 – período convencionalmente chamado de Era Industrial.
Mas, se em 2023 era possível dizer com alguma certeza que a temperatura média não havia ultrapassado 1,4ºC em relação às médias anteriores ao lançamento de dióxido de carbono na atmosfera em escala… industrial…, há convicção no mundo da Ciência de que estamos vivendo numa Terra pré-aquecida a uma temperatura média pelo menos 1,5ºC superior àquela mediana registrada antes da “Era Industrial”.
Quando os registros reunidos nos diversos centros de pesquisa e observação dedicados ao clima espalhados pelo mundo assentaram a certeza de termos atingido em 2024 o aquecimento médio de 1,5ºC do planeta, o que se pretendia evitar que ocorresse até 2050, o climatologista brasileiro Carlos Nobre, um dos grandes nomes da Ciência mundial dedicados ao tema, ligou o alerta e advertiu em entrevistas e artigos – tirando-nos de quaisquer zonas de conforto: “mundo pode não ter mais volta e isso me apavora”. Pavor é um sentimento que precisaremos aprender a cultivar. Pavor dessa catástrofe. Pavor que nos empurre à reação. E a reação tem de ser radicalmente coletiva e universal.
“Melting pot” planetário
Em Svalbard, província mais setentrional da Noruega localizada a 1.100 quilômetros do Polo Norte e onde se localiza o Global Seed Vault, ou “Silo Global de Sementes”, um banco que abriga o germoplasma de 4 milhões de espécies vegetais conservados a uma temperatura constante de -18ºC (também chamado de “Banco do Fim do Mundo” porque as sementes estão ali para serem usadas em caso de catástrofes militares, hecatombes nucleares ou cataclismos), a temperatura média registrada no ano passado foi 4ºC superior às médias históricas anteriores a 1850. Tudo indica que, também lá, 2024 será catastrófico. A linha de “gelo eterno” da região de Svalbard recuou à velocidade de um metro por ano nos últimos 100 anos. Em 2016, corpos de renas que haviam morrido na década de 1920 em decorrência de uma epidemia de antraz e estavam enterrados no solo congelado da província norueguesa começaram a derreter e liberaram esporos contaminados pela bactéria. Mais de 2.500 renas de rebanhos da Noruega e da Rússia morreram contaminadas pelo antraz degelado. Uma criança de dois anos, filha de fazendeiros locais, também morreu contaminada. Também a partir de 2016 chuvas torrenciais começaram a ser registradas com frequência em Svalbard, o que dificilmente ocorreria: nevava, não chovia. A água da chuva acelerou o degelo de vastas regiões a ponto de provocar uma infiltração inesperada nas grossas paredes de concreto do Silo Global de Sementes. As infiltrações foram reparadas antes que pudessem comprometer o acervo de germoplasmas.
No início de agosto deste ano a temperatura média das águas do Mar Mediterrâneo atingiu 30ºC na costa sul da Itália, sobretudo na Sicília, e também na ilha francesa da Sardenha. Foi a mesma temperatura das águas do Mar Egeu, que banha as ilhas gregas. Para se ter uma ideia, a temperatura média das águas do mar do Nordeste brasileiro é de 28ºC. Na manhã de 30 de agosto de 2024 o porto de Volos, no centro da Grécia, amanheceu com águas, praias, piers e cais abarrotados de peixes mortos. Mais de 100 toneladas de peixes morreram de calor nas águas turquesas do mar grego. Ainda em agosto deste ano os moradores do Alasca, estado polar dos Estados Unidos, constataram o fenômeno aterrador das lagoas borbulhantes nas planícies outrora congeladas. Formadas por água de degelo em depressões diversas do território do Alasca, as lagoas apresentam borbulho constante em suas águas por causa da liberação de gás metano do subsolo – e o metano desprende-se em razão do degelo de matéria orgânica no interior da crosta terrestre.
Em Meca, na Arábia Saudita, ainda em 2024, foram registradas oficialmente 1.150 mortes por excesso de calor de fiéis muçulmanos que estavam na cidade sagrada para a peregrinação obrigatória (ao menos uma vez na vida devem fazê-la) à Caaba. Os registros se deram entre junho e julho, quando as temperaturas em Meca atingiram 63ºC. Este artigo foi escrito na tarde do dia 13 de setembro de 2024, quando se esperava a ocorrência de inundações jamais registradas na Europa – meteorologistas previam que algumas localidades da Polônia e da Áustria recebessem até 400 litros de chuva por metro quadrado – e até mesmo a ocorrência de um “dilúvio bíblico” em algum ponto do deserto do Saara até o início de outubro. No artigo em que se diz apavorado com a escalada do aquecimento global e adverte para a possibilidade de o mundo estar se tornando inabitável na faixa que se estende por toda a linha imaginária do Equador (você pode lê-lo clicando aqui), Carlos Nobre preconiza que, mantido o ritmo atual de aquecimento, em 2070 a vida humana só será possível nos polos Norte e Sul do planeta e nas regiões das grandes cordilheiras como Andes, Alpes e Himalaia. Isso é aterrador. Mas, é a dura realidade que nós construímos para a humanidade.
Brasil: epicentro de um furacão infernal
Os incêndios florestais devastadores registrados no Brasil nesse 2024 que não terminou ainda, a severa advertência da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que podemos perder todo o ecossistema do Pantanal em breve – e se pode dizer que os ecossistemas da Amazônia, do Cerrado e da Caatinga correm risco semelhante – estão muito além de serem meros sinais de alerta ou pedidos de socorro da natureza. São a prova evidente de atingimos o ponto de não-retorno do aquecimento global, que a vida humana sobre a Terra nunca esteve tão ameaçada de extinção por fenômenos autóctones e que o Brasil está no epicentro desse furacão de calor que já determinou uma mudança total no planeta como nós o conhecemos. À luz do presente, a palavras de ordem e as batalhas da primeira geração de ambientalistas e pacifistas dos anos 1960 e 1970, sobretudo, soam românticas. Os movimentos bem-sucedidos para preservar baleias, bisões almiscarados, jacarés-pantaneiros, lobos-guarás, micos-leões-dourados, tartarugas marinhas, golfinhos rotadores, elefantes, leões da savana, ursos polares, Mata Atlântica, pererecas ameaçadas pela construção das usinas de Girau e Santo Antônio, ornitorrincos neozelandeses e lamentar o desaparecimento dos dodôs da Nova Guiné não fazem mais sentido. Não há mais que se gritar “Salvem a Amazônia” na COP-30, em Belém, no ano que vem. Aliás…: haverá Belém no ano que vem?
Só há um grito possível neste momento: Salvemos a Terra! Não há mais tempo para batalhas dispersivas que foram importantes no passado e, agora, soarão como mera distração. Salvar o planeta do que nós todos ajudamos a fazer é mandatório e é convocação de união para a ação. A humanidade está em extinção. Nunca, nas outras extinções (maciças ou não) que a Terra testemunhou, uma espécie animal foi responsável por extinguir a si mesma. O ser humano está conseguindo essa proeza. No futuro, não haverá nem como nem com quem regozijar.