O Camaro no estacionamento era o sinal: Silvio Santos já tinha chegado ao SBT, na época, na Vila Guilherme, onde São Paulo é quase Guarulhos.
A gente passava na catraca e ouvia os seguranças e as moças do camarim comentarem: “O Silvio já tá aí”.
Eram os colegas de trabalho a saudar o chefe que criou a expressão “colegas de trabalho” para conversar de igual pra igual com seu auditório.
Na Globo, Roberto Marinho era o “doutor” Roberto. Na Manchete, quem mandava e desmandava era “seu” Adolpho e na Record, a palavra final sempre foi do “Bispo”.
Lá, bastava Silvio.
Desde menino, admirei o comunicador sorridente e sempre adorei que nas disputas mais difíceis do programa, ele ajudava os candidatos, dava pistas. A gente acreditava mesmo que Silvio Santos, com o microfone pendurado no pescoço, queria dar o dinheiro ao cidadão comum e, do lado de cá da tela, todos torciam.
Fui colega de trabalho dele, acho que também posso dizer assim, de 1990 a 1994, como repórter e, depois, como editor, em 2017 e 2018.
O primeiro período foi o melhor. O homem do Baú da Felicidade estava no auge. Para o bem e para o mal, arriscava sem parar. Inventava programas que depois tirava do ar, sem dar tempo às equipes de corrigir as falhas, mas também dava poder e liberdade a grandes profissionais, que transformaram o SBT numa potência.
Enquanto Silvio brilhava aos domingos com seu auditório, o “Show de Calouros” e atrações inesquecíveis, o SBT investia dinheiro e trabalho em Jornalismo e Esporte, na produção de novelas brasileiras e também na compra das mexicanas. A TV insistiu na linha de shows e apostou em Gugu Liberato. Deu certo.
Silvio sempre quis muitas estrelas no vídeo. Hebe, Jô, Nilton Travesso, Irene Ravache, Serginho Groisman, Carlos Alberto da Nóbrega, todos estavam no SBT daqueles tempos. Mas nada se comparava ao Jornalismo.
Em pouco tempo surgiram o “TJ Brasil”, do Boris Casoy, o “Jornal do SBT 1 e 2”, de Lillian Witte Fibe – depois substituída pelo casal 20, Eliakim Araújo e Leila Cordeiro - e o estonteante “Aqui e Agora”. Com o slogan “Um Jornal Vibrante, uma Arma do Povo” o programa reuniu um time de veteranos talentosos, gente do rádio e alguns até esquecidos que trouxeram um jeito diferente de dar as notícias. Gil Gomes, Jacinto Figueira Junior, Luiz Lopes Correia, Magdalena Bonfiglioli, Arnaldo Duran e uma turma que começava, como Celia Bravin, Gerson de Souza, Cesar Tralli, Marilu Cabañas.
A ordem era falar a linguagem das ruas com o máximo de naturalidade. Havia críticas de que era jornalismo “mundo-cão” e também elogios à linguagem popular diante de um noticiário previsível na concorrência. A polêmica só ajudava e Silvio, astuto que só, queria mais.
O resultado foi uma audiência exuberante, que se espalhou por todo o país e fortaleceu outros telejornais e novelas. Era comum, em alguns horários, o SBT ficar em primeiro lugar no Ibope.
O faturamento aumentou e no “TJ Brasil”, onde eu trabalhava, fazíamos longas viagens, reportagens especiais e buscávamos notícias exclusivas.
Uma redação enorme juntava todos os jornais. Enfumaçada pelos cigarros, ruidosa com suas máquinas de escrever e feliz pela certeza de que um projeto novo crescia. Nunca trabalhei num ambiente tão divertido. Que farra.
O Silvio não ia à redação, mas o que a gente ouvia era que ele só fazia um pedido: “Quero reportagens que interessem ao meu público”. A gente tentava.
Todos sabíamos que o galpão da Vila Guilherme tinha prazo de validade. Eram instalações precárias. Em dia de chuva forte a emissora era invadida pela água imunda do Tietê.
Na redação, uma fita crepe grudada a um metro de altura indicava que pesquisas ou material de arquivo importante devia ser guardado dali pra cima. Pra baixo ficavam as galochas, capas, guarda-chuva, rodo, desinfetante.
Os funcionários mais velhos comentavam que o bar do seu Zé, a banca do Joel, o salão da dona Ruth e todo o comércio vizinho não iriam suportar a mudança. Se enganaram. O SBT se separou da Vila Guilherme e foi o SBT que perdeu.
A Vila fazia parte da biografia de Silvio Santos, quase um talismã para muitos. Nos novos e tecnológicos estúdios da rodovia Anhanguera, em Osasco, o SBT nunca mais recuperou a potência do fim do século XX.
No bairro da zona norte, o povo fazia fila na porta, se inscrevia nos programas, participava de sorteios e até via a principal estrela da casa, quando chegava ou saía ao volante do Camaro.
Com crise ou sem crise, o pagamento sempre foi em dia. E os funcionários repetiam com a intimidade de sempre: “O Silvio não atrasa”.
No meu último período no SBT, encontrei Silvio Santos a andar sozinho pelo corredor. Não perdi a oportunidade de cumprimentar o melhor comunicador de toda a história da televisão brasileira. Objetivo e educado retribuiu o “tudo bem com você?”, sorriu e seguiu em frente, como um colega de trabalho.
*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.