ELEIÇÃO VENEZUELA

Atas da eleição na Venezuela: terrorismo da extrema direita e ignorância de parte da esquerda - Por Mauro Lopes

Legislação venezuelana prevê prazo de 72 horas para publicação das atas eleitorais. Exigência de “atas já!” foi peça crucial do golpe da extrema direita; parte da esquerda brasileira embarcou na onda. Ignorância ou preconceito contra Maduro? No Brasil, prazo para divulgação das atas é idêntico

Nicolás Maduro.Créditos: Imprensa Presidencial Venezuelana
Escrito en OPINIÃO el

A extrema direita venezuelana, liderada por Maria Corina, entrou no processo eleitoral com a consciência de que sua derrota nas urnas seria inevitável. A partir desta constatação, elaborou pacientemente uma estratégia que tem como centro a alegação de fraude. 

Curiosamente, não há sequer uma evidência de fraude. A eleição venezuelana foi acompanhada por cerca de 1.200 observadores de 100 países. Nenhum deles apontou qualquer indício de fraude

Sem evidência de fraude, a extrema direita venezuelana passou a bradar: “atas já!”. Em menos de 24 horas, conseguiram criar uma narrativa que espalhou-se internacionalmente segundo a qual a falta da apresentação das atas imediatamente seria a comprovação da fraude. A ideia era criar um clima internacional de cerco ao governo Maduro ao mesmo tempo em que colocavam suas milícias nas ruas para promover arruaças e dar a impressão de rebelião popular (como o 6 de Janeiro nos EUA e o 8 de Janeiro no Brasil). Não se pode negar que foi uma estratégia bem sucedida.

O governo Maduro ficou isolado internacionalmente, com o processo eleitoral reconhecido por China, Rússia, Cuba e mais poucos países. A extrema direita venezuelana conseguiu, com o apoio estratégico de Milei e Boric, coesionar quase todos os países da América Latina na condenação ao processo eleitoral. Na manhã desta terça-feira (30), a OEA entrou na dança. Corina e seus comparsas não conseguiram, entretanto, mobilizar o governo dos EUA, que se moveu com prudência até o momento. 

Brasil, Colômbia e México, que poderiam ter rompido o cerco à Venezuela armado pela extrema direita, preferiram o caminho da prudência, alinhados com os EUA de Biden e Kamala. O que, obviamente, aumentou ainda mais a pressão sobre a Venezuela. Finalmente, nesta terça, o presidente Lula confrontou a extrema direita e se posicionou em defesa do processo eleitoral, que considerou "normal e tranquilo". 

A FARSA DAS ATAS

Tudo foi uma grande farsa. A palavra de ordem “atas já!” foi lançada pela extrema direita para causar confusão. A direita tradicional e os liberais embarcaram na onda de bom grado, pois odeiam Maduro e o regime bolivariano.

Causa espanto, entretanto, que os governos democráticos e parte significativa da esquerda brasileira tenham engrossado o coro da extrema direita: “Atas já!”. Uma palavra de ordem despropositada lançada pela extrema direita para atacar Maduro e que foi adotada pelos governo democráticos e parte da esquerda por COMPLETA IGNORÂNCIA sobre processo eleitoral venezuelano.

Nesta terça, diretamente de Caracas, o jornalista Breno Altman explicou como funciona o sistema eleitoral venezuelano (veja aqui no Opera Mundi). Foi definitivo. Liquidou com o  verdadeiro Febeapá sobre o pleito no país vizinho (o Febeapá, Festival de Besteiras que assola o Brasil, foi a expressão imortalizada por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta nos anos 1960). 

Há essa cobrança crucial, inflamada, exigente, de publicação IMEDIATA das atas individuais das urnas. O que as pessoas que reclamam isso de maneira agressiva (da extrema direita, direita e parcelas significativas da esquerda) desconhecem é que a legislação eleitoral venezuelana diz que o prazo para a publicação de tais atas é de 72 horas depois do encerramento das urnas - 18h de amanhã desta quarta (31). Tal prazo foi aplicado, segundo explicou Breno, EM TODOS os processos eleitorais desde 2004 -não é o prazo desta eleição. Ou seja, a exigência de publicação imediata das atas é pura propaganda golpista. Esta e outras informações deveriam ser recebidas de bom grado pela esquerda que apoia o cerco a Maduro, em vez de continuarem a se aliar objetivamente com Maria Corina e a extrema direita latino-americana.

É possível que o prazo seja um pouco estendido, pois há informações confiáveis de que uma peça fundamental na estratégia do grupo de Maria Corina foi sabotar os sistemas de transmissão das atas para o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). As mesmas informações apontam para Leopoldo López, como articulador do ataque aos sistemas do CNE. Lopez é outro líder da extrema direita, que fugiu para a Espanha depois do fracasso da tentativa de golpe de Juan Guaidó em 2019.

IGNORÂNCIA SOBRE AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS

O mais incrível na mobilização de parte significativa da esquerda brasileira contra a eleição venezuelana é sua ignorância em relação ao processo eleitoral de seu próprio país. A exigência de “Atas já!” deveria ensejar a questão óbvia: “Mas como isso acontece no Brasil”.

Se buscasse informar-se saberiam que o prazo que a Justiça Eleitoral concede para a publicação das atas para a próxima eleição no país, o pleito municipal, é EXATAMENTE O MESMO que o venezuelano, 72 horas. Informa o TSE: “Após a conclusão da apuração das seções e de transmissão dos dados pela junta eleitoral, no prazo máximo de 24 horas, deverá ser providenciada a transmissão dos arquivos log das urnas e da imagem do BU. O relatório 'Resultado da Totalização', emitido pelo Sistot, será anexado à ata geral da eleição referente a cada município. Até três dias após cada turno, os relatórios deverão ser divulgados nos sites dos TREs. A ata geral da eleição ficará disponível no cartório eleitoral também por três dias, caso candidatos e partidos queiram examiná-la."

O ambiente político do Brasil e da América Latina assistiu desde o fim da noite de domingo um frenesi sem precedentes. Insuflado pela extrema direita, apoiado pela direita tradicional, pelos liberais e setores significativos da esquerda baseou-se em completa desinformação.