BOB DYLAN

Donald Trump e o seu Deus, que como dizia Bob Dylan, opera ao lado dos canalhas

O ex-presidente dos EUA afirmou ter sido salvo porque Deus estava do seu lado; o clichê é antigo e já foi apontado pelo Nobel de Literatura em uma canção

Bob Dylan.Créditos: Reprodução de Vídeo
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Durante o encerramento da convenção republicana na noite desta quinta-feira (18), em seu primeiro discurso após o atentado sofrido no sábado (13), na Pensilvânia, Donald Trump afirmou:

“De certa forma, eu me senti muito seguro, porque soube que Deus estava do meu lado", disse ele.

A despeito do clichê, essa frase é sempre terrivelmente intrigante. Que justiça divina há, por exemplo, naqueles que, ao se verem salvos de um incêndio que matou outras centenas de pessoas, creditam isto a Deus?

Onde estaria o Divino a que se refere o ex-presidente americano nos diversos casos em que inúmeros inocentes morrem baleados em assaltos e balas perdidas?

Que Deus opera ao lado da população que reside, ou tenta residir ou, pior ainda, residia, na Faixa de Gaza?

É o mesmo Deus que recebe milhões de agradecimentos pela mesa farta, pelo alimento recebido, mas, ao mesmo tempo, dá as costas a outros milhões de famélicos?

Um Deus antigo

O Deus de Donald Trump, propalado por ele, é antigo. Bem anterior, por exemplo, à canção “With God On Our Side”, que o cantor, compositor e prêmio Nobel de Literatura Bob Dylan lançou em 1965, quando ainda contava seus vinte e poucos anos.

Nela, Dylan descreve episódios da história americana e mundial que vão desde o massacre dos povos originários, passando pelas duas grandes guerras até chegar nas armas químicas. No desfecho de cada estrofe, exatamente como Trump, o compositor repete ironicamente que “Deus estava ao seu lado”.

Adiante, afirma que Jesus Cristo foi traído por um beijo e pergunta se Judas Iscariotes tinha Deus ao seu lado. No final das contas, talvez movido por um arroubo da juventude que tenha perdido há tempos, Dylan se diz confuso e conjectura que “se Deus está do nosso lado, Ele impedirá a próxima guerra”.

Não esteve. Sob essa ótica, jamais esteve, sobretudo nestes últimos anos. O pretenso otimismo do bardo tem se esvaído com velocidade ao longo do tempo. Talvez Trump esteja mesmo certo.

Ou, pior ainda. Provavelmente Deus não tenha nada a ver com tudo isso. E o livre arbítrio – e Ele esqueceu de deixar avisado – seja algo projetado para ser intensamente suscetível aos espertos e seus marqueteiros de plantão.