Já se tornou clichê dizer que, no Brasil e no mundo, vivemos em sociedades polarizadas. Como todo clichê tem razão de ser, este também é capaz de dar conta da realidade. Sim, é fato que vivemos em sociedades polarizadas, mas a tal “polarização” não se dá entre extremos.
Existe apenas um extremo, e está situado à extrema direita do espectro ideológico. O outro polo não é a extrema esquerda, não é sequer a esquerda, pois inexiste no mundo partido ou movimento político de esquerda que chegue perto da força e da influência dos grupos de extrema direita. A única exceção, talvez, esteja no México. Mas não é da exceção que quero tratar neste texto.
De um lado, está uma extrema direita que sequestrou o vocabulário disruptivo que durante muito tempo pertenceu às esquerdas. No outro polo, está um campo político heterogêneo, formado por diversas forças, entre estas as esquerdas, mas também estão os liberais, os socialdemocratas e até mesmo aquilo que costumamos chamar de direita democrática. Todas essas forças estão coligadas por um consenso mínimo segundo o qual a democracia liberal representativa deve ser protegida.
As recentes derrotas que este campo democrático conseguiu impor à extrema direita sinalizam para um perfil de lideranças que se movimentaram para o centro, evitando qualquer discurso ou performance que pudesse associá-las às esquerdas. Ainda que algumas dessas lideranças, historicamente, pertençam ao campo das esquerdas (Lula no Brasil e Pedro Sánches na Espanha), todo o esforço foi o de se deslocar de grupos mais radicalizados e se aproximar do centro político, na estética e no discurso. Estou convencido de que essa tendência veio para ficar, pois nada sugere que a rejeição que as maiorias sociais nutrem por lideranças e movimentos claramente de esquerda arrefecerá no curto prazo.
Por isso, se desejamos construir lideranças políticas capazes de serem competitivas no enfrentamento à extrema direita, é necessário investir em um perfil específico. No Brasil, podemos encontrar dois exemplos muito bem-acabados desse perfil. Estou falando de João Campos e Eduardo Paes, prefeitos, respectivamente, de Recife e Rio de Janeiro.
Ambos são ótimos comunicadores e bons gestores, ainda que João Campos necessite se provar mais, diferente de Eduardo Paes, já bastante experiente, mesmo que relativamente jovem para os padrões da vida pública.
O que Eduardo Paes está fazendo no Rio de Janeiro é algo da ordem do impressionante. Jamais escondeu Lula e a todo momento afirma sua lealdade ao presidente, e não é de hoje, como demonstram os icônicos áudios vazados em 2016, que já fazem parte do anedotário político nacional.
No Rio de Janeiro, capital berço do bolsonarismo, esse alinhamento com Lula tinha tudo para ser suicídio político. Não é para Eduardo Paes e, segundo pesquisas recentes, ele deve vencer em primeiro turno as eleições municipais marcadas para outubro deste ano, derrotando com facilidade o candidato ungido por Jair Bolsonaro. Insisto: é impressionante!!
João Campos e Eduardo Paes. Carismáticos, dominam a temporalidade da internet e não são diretamente associados a nenhum partido ou movimento social de esquerda, como acontece, por exemplo, com Guilherme Boulos e Marcelo Freixo.
Essa rejeição popular a Boulos e a Freixo e a movimentos sociais como o MTST e à agenda de defesa dos direitos humanos é exagerada? É mais do que exagerada. É injusta, muito injusta. Infelizmente, é o que temos para hoje. Amanhã, há de ser outro dia, oxalá assim seja.
Engraçadinhos na medida certa, usando blusa social azul bebê para fora das calças e mangas dobradas duas vezes, com constantes apelos às paixões populares como carnaval e futebol. Bons resultados na gestão municipal. João Campos descolorindo o cabelo no carnaval e Eduardo Paes com a bandeira do Vasco na mão e prometendo desapropriar o terreno da Caixa Econômica Federal para construir o novo estádio do Flamengo. O povo gosta de alegria e felicidade e tende a rejeitar o ressentimento e a patrulha do comportamento, tais como performados pelas esquerdas contemporâneas.
João Campos e Eduardo Paes conseguem defender os direitos das minorias sem sucumbirem às amarras do identitarismo, que hoje é um dos fatores impeditivos para o crescimento da esquerda puro sangue.
Há quem diga que depois de Lula haverá um apagão de quadros na esquerda brasileira. Talvez seja verdade. Não se pode dizer o mesmo para o campo democrático. João Campos e Eduardo Paes estão prontos para herdar o único capital político que ainda consegue derrotar a extrema direita.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.