ZIRALDO

Ziraldo estava ali; eu pedi a foto; o homem, então, se mostrou tão feliz quanto o artista

A capacidade de Ziraldo em tocar o emocional do menino se estendeu para o adulto por toda a vida, através de suas inúmeras e profusas publicações

Ziraldo e o Menino Maluquinho.Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Meus pais morriam de rir com o Pasquim. Eu, ainda criança, não entendia nada ou quase nada daquilo. Mas achava os desenhos bonitos, engraçados. Foi em 1969, eu então com nove anos, que me encantei completamente com o Ziraldo, ao ler (e, sobretudo, ver) o livro “Flicts”.

A publicação, surpreendentemente, tratava pura e simplesmente, da invenção de uma cor. Assim como o amarelo, o azul, o vermelho, o flicts era uma cor! Mas era uma cor diferente, solitária, meio triste. Uma cor que não encontrava seu lugar em nada na Terra, nas roupas, carros, fachadas, livros, nada.

O desfecho – e me perdoem aqui o spoiler – pra lá de surpreendente era simples e maravilhosamente poético: “a Lua é flicts!”.

Aquele foi, sem sombra de dúvidas, um dos primeiros alumbramentos que tive na vida. E que perdurou para todo o sempre. A capacidade de Ziraldo em tocar o emocional do menino se estendeu para o adulto através de suas inúmeras e profusas publicações. Desde então, ele participou de outras publicações, filmes, peças teatrais, discos e tudo o mais que se pode imaginar de bom.

Certa vez, enquanto fazia a assessoria do Carnaval de São Paulo, cercado de celebridades e subcelebridades por todos os lados, me deparei com o Ziraldo. Lá estava ele! O cara do Pasquim, do Flicts, o próprio Menino Maluquinho ali, em carne e osso, bem na minha frente. Nem pestanejei. Cheguei perto e falei, em alto e bom som: “Ziraldo, não tô nem aí pra nenhum desses, mas você é outra coisa. Tira uma foto comigo, tira?”

Ele caiu na gargalhada, me abraçou e disse: “só se for agora!” Meio entre o trêmulo e cheio de alegria com o incontrolável bom-humor e simpatia dele, parei ao seu lado e tiramos a foto, os dois gargalhando. A cena durou apenas alguns segundos, mas serviu pra provar que se tratava sim de um homem que rimava perfeitamente com o artista. Os dois eram – e isso é coisa rara – uma coisa só.

Naquele momento, pensei orgulhoso que iria mostrar a imagem o mais rápido possível para o meu pai. E faria o mesmo com a mãe, não tivesse ela partido tão cedo. Lá estava eu ao lado de um dos inventores do Pasquim, do criador da cor mais triste do planeta. Tão triste que só teve serventia mesmo fora dele.

Ziraldo se foi. Andava pelas ruas em uma tarde chuvosa quando minha filha viu a notícia no celular e me avisou. O céu, nós dois e outros tantos milhões de brasileiros, caíamos no choro. Não tenho, de fato, como perceber, enxergar e, tampouco, agradecer o tanto que ele fez por nós, desde a infância até sempre.

Ziraldo foi a alegria da vida. De toda a vida.

Veja abaixo a nossa imagem, feita no Carnaval de 2001, no Sambódromo de São Paulo: