Nos últimos dias, não se fala em outra coisa nas redes sociais quando o assunto é série: a produção "Bebê Rena", que estreou no começo de abril na Netflix, mas que se tornou um fenômeno, uma quase obsessão por parte da audiência, nos últimos dias.
A trama de "Bebê Rena" é inspirada em um fato vivenciado por Richard Gaad - que assina a criação, o roteiro, a produção e protagoniza a série: quando trabalhava em um bar, ele se tornou alvo de uma stalker que, por dois anos, infernizou sua vida.
Em "Bebê Rena", Richard Gaad é Donny Dunn, um comediante fracassado que busca um lugar ao sol no universo da stand-up. Enquanto ele não consegue viver de sua arte, trabalha em um pub de Londres. Em mais um dia ordinário, ele atende Martha (Jessica Gunning), que se apresenta como advogada de celebridades, mas naquele dia está sem dinheiro. Compadecido, ele oferece um chá para ela por conta da casa. Esse gesto afetuoso de Donny é a chave para a mulher cercar sua vida.
Uma sociedade doente por atenção e fama
O melhor do roteiro de "Bebê Rena" é que a trama de Martha, a stalker, é resolvida nos primeiros episódios. Ainda que o tema central seja o crime de stalkear pessoas pelas redes, ele serve como gatilho para um trabalho quase antropológico sobre uma sociedade desigual (no caso europeia, mas que também serve como exemplo para as Américas), com pessoas solitárias e frustradas - e aqui entra a questão das orientações sexuais e o papel da heteronormatividade na vida dos homens.
Claro que pessoas obcecadas por outra pessoa - anônima ou celebridade - não são algo novo e a história está repleta de tramas sobre isso. No entanto, não se pode negar que, com a ascensão das redes sociais, a categoria "Celebridade" ganha outro status, pois parece estar acessível a todos, mas tal universo continua distante como sempre, uma completa ilusão.
A vida do Outro
Com o compartilhamento de quase tudo o que se faz diariamente nas redes sociais, a vida do outro se torna um novo tipo de droga que, assim como as tradicionais, também causa danos trágicos e, muitas vezes, irreversíveis. Não é à toa que ambos os vícios são tratados em clínicas.
Martha, stalker de Donny, é formada em direito e sonha em defender apenas celebridades. Em suas redes sociais, ela ostenta montagens toscas como se fosse advogada de grandes figuras da política do Reino Unido.
No entanto, ao vivenciar o delírio de Martha, Donny, o comediante stalkeado, passa a enxergar uma série de coisas em si que antes reprimia. Solitário e frustrado, o bartender encontra em sua stalker uma espécie de sentido em viver, uma ação para a sua vida ordinária.
Esta configuração complexa entre Martha e Donny funciona perfeitamente como alegoria do tempo em que vivemos: mergulhados na vida dos outros, passamos a rejeitar a rotina e a repetição, buscando apenas excitação.
Conscientes disso, os algoritmos das plataformas trabalham de maneira exaustiva a excitação daqueles que consomem redes sociais: passamos a nos excitar apenas com a vida alheia. A contemplação e as técnicas de si perdem o lugar para o consumo da vida do Outro.
Capitalismo e norma sexual
Além de toda a problemática dos crimes da Era Digital, "Bebê Rena" também promove um mergulho na maneira como o capitalismo organiza sonhos e como a heteronormatividade impõe uma estética da excitação e um modo de vida compulsório aos homens (não apenas a ele, mas o foco do roteiro é no universo masculino).
No caso de "Bebê Rena", a questão da masculinidade e da heterossexualidade compulsória ganha destaque a partir da vida de Donny, que se vê confrontado - da pior maneira possível - com suas certezas sexuais.
"Bebê Rena" desnuda a sociedade contemporânea, que está adoecida por atenção e, para tanto, vive mergulhada na construção de avatares para realizar, de alguma maneira, os sonhos que foram interrompidos por uma série de questões.
Ao fim e ao cabo, "Bebê Rena" é muito mais sobre uma sociedade cada vez mais doente por atenção e seus tristes personagens do que sobre uma mulher solitária que passa a stalkear um bartender de um pub.