No dia em que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) anunciou o fim da Operação Verão, que deixou 56 mortos em pouco menos de dois meses na Baixada Santista, após dois PMs terem sido mortos em comunidades da região, um vídeo estarrecedor viralizou nas redes sociais ao mostrar policiais disparando 188 tiros de fuzil na Vila Progresso, em Santos, com o argumento de que tentavam capturar três suspeitos que teriam reagido à bala a uma incursão das forças de segurança.
Cenas desse tipo se tornaram comuns nos meios de comunicação brasileiros nas últimas décadas, tendo como pano de fundo sempre localidades do Rio de Janeiro, onde o “enfrentamento” da PM com o crime organizado tomou ares de filme de guerra. Rajadas, explosões, projéteis traçantes e paredes de imóveis totalmente furadas como peneiras se banalizaram, enquanto as mortes de civis inocentes por balas perdidas, ou confundidos, se somam às milhares com o passar dos anos.
Esse era um tipo de episódio exclusivamente registrado no Rio, unidade federativa onde há anos optou-se por tal forma de ação, que na prática não traz resultado positivo algum. Não enfraquece o crime, pelo contrário, o fortalece, e ainda instala o terror nesses bairros pobres. Tarcísio de Freitas, que nos últimos anos foi alvo de piadas por ser um carioca da gema sem qualquer relação com São Paulo ao se lançar candidato a governador (e que inacreditavelmente foi eleito sem sequer conhecer o mínimo sobre o estado), parece estar decidido a implantar tal modus operandi estúpido e sangrento em terras paulistas, haja visto o que está fazendo no litoral para obter lucro político, sob o puritano e cretino argumento de que a polícia reagirá “de forma dura” sempre que for atacada.
As ocorrências com PMs disparando tiros e mais tiros com o moderno fuzil belga FN Scar 7.62 se multiplicaram na Baixada Santista do início de fevereiro para cá. Na maior parte das ocorrências com registros de mortes, o emprego dessas armas de guerra longas virou um ponto comum. Uma liderança do PCC morta no Guarujá, um outro “torre” em Santos, em pleno carnaval, vários suspeitos que foram “abatidos” em morros de algumas cidades da região, enfim, sempre estavam lá os fuzis sendo acionados. Para os incautos, bem como para os que se fazem de ingênuos, uma “demonstração de força” e de que a PM “não dá moleza” para os bandidos. Um ledo e estúpido engano.
Ao banalizar esses confrontos que não resultam em nada de positivo, o próprio crime organizado passa a agir com mais violência, passa a atirar sem hesitar em qualquer circunstância e ainda reforça seus paióis. A exemplo do que ocorreu e segue ocorrendo no Rio, assim como em algumas localidades do México, sair desfilando nas ruas com ‘caveirões’, os famigerados blindados para incursão em favelas e morros, assim como descarregar pentes e pentes de balas de fuzil, não ocasionará uma vitória sobre a delinquência organizada, tampouco acabará com sua lucrativa renda oriunda do narcotráfico. Os conflitos só aumentarão, a violência não retrocederá um milímetro e os inocentes mortos e aterrorizados se multiplicarão. Esse é o motivo óbvio e simples que faz com que a maior parte dos governos (minimamente responsáveis) do mundo não embarquem em tal aventura.
Mas Tarcísio de Freitas, não. Ele quer essa ‘riodejaneirização’ de São Paulo. Coloca os ‘caveirões’ do GER e os quase-tanques do Choque para descer a serra, além de encher as comunidades mais pobres das cidades litorâneas de unidades de elite armadas até os dentes, como se estivesse prestes a entrar nas ruas de Mossul, na Síria. Bala pra todo lado, corpos espalhados no chão, sangue escorrendo pelas sarjetas. Só que nesse bojo morreu garçom que estava de folga, garoto cego acusado de ser traficante, funcionário de farmácia que descia a Anchieta para pegar uma praia, mãe de seis filhos que esperava o caçula cortar o cabelo no salão instalado numa praça movimentada, à luz do dia.
A burguesia e os pobres sem consciência de classe, enfeitiçados pela seita bolsonarista e excitados quase que sexualmente pelos estampidos dos disparos, gritam esfuziantes. Os megatiroteios com rajadas e mais rajadas de fuzil os fazem sentir uma espécie de senso de vingança que nem eles mesmos sabem explicar, sem contar com o fato de que aciona a verve infantilizada do tesão por armas e fardas. Tudo vira um grande episódio do Tropa de Elite, e agora ali, em sua cidade até então ‘pacata’.
O problema é que, quando a criminalidade organizada passar a fazer assaltos simples a comércios e transporte público em bairros mais “nobres” usando os tais ‘bondes’ (dezenas de criminosos juntos em comboio, utilizando dois ou três veículos) e empregando fuzis e metralhadoras, como já acontece há anos no Rio de Janeiro, esses entusiastas dos tiroteios terão um inferno para chamar de seu bem na porta de casa. Só então eles vão perceber ao que levou a “política de segurança” de Tarcísio de Freitas.