A avaliação da pesquisa de popularidade do presidente Lula e seu governo da Quaest divulgada na manhã desta quarta-feira (6) conseguiu uma curiosa convergência, inédita: do ministro Paulo Pimenta, segmentos da esquerda, à mídia conservadora, ao sionismo e à extrema direita! Todos apontam o dedo para o povo palestino. A culpa é de um povo vítima de genocídio do regime racista de Israel. Ou, mais precisamente: tudo é culpa da declaração de Lula condenando o genocídio promovido por Israel e sua comparação entre Netanyahu e Hitler.
É uma convergência com diferentes objetivos: para o governo e segmentos da esquerda, isso evita um olhar honesto para o que de fato está acontecendo com a população. Para a mídia conservadora e a extrema direita é mais uma chance de colocarem-se a serviço do sionismo e avançar no combate político-ideológico que cinde a sociedade.
Mas tal avaliação é no mínimo precipitada ou mal-intencionada.
A pesquisa mostra que a diferença entre aprovação e rejeição ao trabalho de Lula caiu ao seu menor nível desde o início do governo: cinco pontos. Quanto à avaliação do governo, a vantagem da avaliação positiva virou pó: 35% de avaliação positiva e 34% de avaliação negativa.
Veja:
Uma questão. Responda sinceramente: se você considera que uma pessoa exagerou em determinado assunto isso acarretaria uma mudança global na sua opinião sobre tal pessoa? Leia a pergunta da Quaest. Não se perguntou se a pessoa condena a declaração de Lula; não se pergunta se Lula traiu o povo de Israel; não se pergunta se Lula apoiou terroristas. Não. Uma pergunta simples: “Lula exagerou?”. Quem acredita que tal consideração levaria a uma mudança do olhar global sobre Lula e seu governo?
Popularidade de Lula
A avaliação negativa sobre Lula entre os evangélicos de fato pulou de 56% em dezembro para 62% agora em fevereiro. Veja o gráfico, não foi um salto espetacular: a avaliação negativa sobre Lula entre os evangélicos subiu regularmente a partir de agosto: 46%, 52%, 56% e, agora 62%. Oras, quando a subida começou, a partir de agosto e depois disso, não havia o tema “Israel”. Lula comparou Netanyahu a Hitler em 18 de fevereiro - a pesquisa foi feita de 25 a 27 de fevereiro. Antes da comparação de Lula, a avaliação negativa sobre ele entre evangélicos havia subido 10 pontos percentuais; agora subiu mais 6. Concluir que a declaração de Lula é o motivo do aumento da rejeição dele no eleitorado evangélico carece de qualquer base.
A evolução no gráfico:
A avaliação negativa sobre Lula cresceu nos últimos meses entre duas fatias do eleitorado que conformam bastiões do lulismo: entre os jovens, saltou de 36% para 50% agora; entre as mulheres, o eleitorado mais estavelmente lulista, o salto foi de 35% para 45% -um salto de 14 pontos entre os jovens e 10 pontos entre as mulheres. Quando se observa faixa de renda, houve um evidente processo de erosão de outro segmento estavelmente lulista, como as mulheres: os mais pobres. Na fatia do eleitorado de até 2 salários mínimos, apesar de Lula manter-se com popularidade acima dos 60% (61% agora), o olhar negativo para o presidente saltou de agosto para fevereiro 10 pontos (de 26% para 36%). Onde foi o grande salto negativo nas diferentes faixas de renda? Entre 2 e 5 salários mínimos: de 38% para 52%. Nos dois casos, como nos demais extratos, não houve um salto de dezembro para fevereiro: a avaliação negativa tem crescido consistentemente pesquisa a pesquisa.
Em outros segmentos do lulismo, a insatisfação vem crescendo desde agosto, ainda que num ritmo menor: católicos (32% para 39%), pretos (27% para 39%) e pardos (39% para 44%). O Nordeste é o “reduto Lula” do país: a aprovação ao presidente continua nas nuvens (68%), mas mesmo lá a diferença entre o olhar positivo e negativo caiu 10 pontos desde agosto. Até em quem votou em Lula está crescendo a avaliação negativa, de 5% para 13%, ou seja, mais que dobrou.
Veja:
Os palestinos e a solidariedade de Lula devem pagar a conta?
E o governo?
A diferença entre as avaliações positiva (35%) e negativa (34%) sobre o governo virou pó, como escrevi acima. Como em todos os demais indicadores, o olhar negativo tem um crescimento consistente desde agosto de 2023: 10 pontos.
A avaliação negativa sobre o governo Lula aumentou entre os evangélicos, é verdade: saltou de 36% em dezembro para 48% em fevereiro: 12 pontos. Em relação a agosto, subiu 19 pontos.
Veja os demais quadros sobre avaliação do governo. Apenas na comparação entre os governos Lula e Bolsonaro há maior sustentação para Lula em quem votou nele no segundo turno e entre católicos.
Pior que o esperado:
Pior que o esperado/voto no segundo turno:
Pior que o esperado/religião:
Comparação governos Lula x Bolsonaro/voto no segundo turno:
Comparação governos Lula x Bolsonaro/religião:
O olhar dos pesquisados sobre sua própria vida e a economia
É evidente a reversão da avaliação sobre o desempenho do governo Lula na frente econômica. É notável o avanço da avaliação negativa sobre a economia: para 38%, a economia piorou nos últimos 12 meses; um percentual 12 pontos acima dos que acreditam que ela melhorou (26%). Há um agravante nessa avaliação: é a primeira pesquisa que captura uma avaliação de desempenho econômico apenas durante o governo Lula, sem compará-lo com o governo Bolsonaro. Até então, todas as pesquisas “carregavam” uma comparação com um trecho do governo Bolsonaro em 2022:
Uma parte expressiva do eleitorado bolsonarista, que ainda apresentava alguma condescendência com o desempenho econômico do governo no início de Lula III, virou: nada menos que 70% afirmam ter piorado a economia; apenas 5% dizem ter melhorado nos últimos 12 meses. No eleitorado lulista, a avaliação positiva do desempenho da economia é uma corcova de camelo: sobe até agosto e cai desde então. Desde agosto, igualmente o olhar negativo no lulismo tem aumentado, a ritmo lento:
A deterioração das expectativas é flagrante. O olhar otimista para 2024 encurtou sua distância para o pessimista de 37 para 15 pontos desde agosto. Da mesma maneira que em relação ao passado, o olhar para o futuro é aceleradamente negativo na base bolsonarista, mas tem crescido no eleitorado lulista.
Agora, a pergunta que é a chave da pesquisa: “No último mês, como ficaram os preços 1) das contas, 2) dos alimentos, 3) dos combustíveis?”
Há um salto espantoso na percepção sobre o preço dos alimentos: em agosto, apenas 37% achavam que eles tinham aumentado no mês anterior; agora, são 73% - um salto de 36 pontos, como não há em qualquer outra pergunta da pesquisa! Só 13% das pessoas pesquisadas avaliam que os preços teriam diminuído no mês anterior. Nesta questão, há também outro dado ímpar: em que pese o crescimento contínuo da percepção de aumento nos preços dos alimentos desde agosto, há um salto brutal de dezembro (48%) para fevereiro (73%). Terá sido a declaração de Lula sobre Israel?
A percepção sobre as contas é um pouco menos acentuada, mas ainda dramática para o governo: não houve pergunta sobre o tema “contas” na pesquisa de agosto, o salto mensurado é de percepção de subida mensal em junho (48%) para fevereiro (63%) - salto de 15 pontos. Há um dado relevante: o percentual das pessoas que relataram uma redução no preço das contas no mês anterior na rodada de fevereiro (7%) é ainda mais baixo que o das pessoas com a mesma impressão sobre alimentos (13%).
Finalmente, quanto a combustíveis, a diferença na percepção de salto nos preços é maior entre dezembro e fevereiro (de 36% para 51%). A percepção de aumento havia caído entre outubro (43%) e dezembro (36%).
Veja que impressionante:
Uma pesquisa sempre ausculta sentimentos e percepções sobre diferentes temas. Qualquer afirmação que busca encerrar uma variação na avaliação de um governo em um único fator é uma tolice rematada, exceto em situações de rupturas de largo espectro.
Dizer que uma uma frase de Lula em solidariedade aos valentes palestinos e palestinas e de denúncia do genocídio do regime de Israel derrubou sua popularidade e de seu governo serve a distintos interesses.
Para o conclave mídia conservadora/extrema direita/sionimo, a tese serve para encurralar o governo Lula e a esquerda na mobilização em solidariedade aos palestino. “Apoiem os terroristas palestinos e você serão abandonados pela população” é o fantasma que agitam.
Já o pacto entre o ministro Paulo Pimenta, setores de esquerda mais empedernidamente governistas e a mídia conservadora usufrui de outro efeito na avaliação: o diversionismo. Evitam que a indagação sobre a popularidade de Lula e seu governo encare de frente os limites de uma política econômica de austeridade e que tem, na percepção dos mais pobres do país, prejudicado sua vida. A mesma frente ampla dá tranquilidade ao ministro Fernando Haddad, garantindo apoio à sua política de austeridade e ao arcabouço fiscal -pois a economia, segundo eles, não guarda relação com a queda da popularidade de Lula e seu governo. A culpa é dos palestinos e da frase de Lula.