Depois de ver na TV, há pouco tempo, a cidade de Osasco se proclamando “Capital do Cachorro Quente”, volto a um assunto que já andei publicando por aí...
No Brasil, existia (quer dizer, existe) uma mania de “apelidar” cidades com apodos como “Cidade Canção”, cidade isso, cidade aquilo. Uma porrada delas se intitulava “Cidade Sorriso”. Uma delas, lá pelos anos 1960, era Araguari, onde tinha um matadouro de cavalos, para exportação da carne, e os moradores das cidades vizinhas gozavam chamando-a de “Cidade Só Rincho”.
Mas fora do Brasil também acontece isso. Basta lembrar Paris, a “Cidade Luz”. Bangcoc, capital da Tailândia, tinha um monte de apelidos, entre eles “Armazém Supremo das Jóias Divinas, Grande e Proeminente Mundo, Terra Inconquistável, Grande Cidade dos Anjos, Real e Deliciosa Capital Cheia de Gemas Nove Vezes Maiores, Morada do Encarnado, Abrigo Divino e Mais Alta Moradia Real e Grande Palácio”. Vixe! Quem decorava isso tudo?
Mas voltemos ao Brasil.
Quando criança, minha cidade, Nova Resende (que se intitulava “Terceira Cidade Mais Alta do Brasil” — embora sua classificação fosse boa, não era o terceiro lugar, só que não havia informação sobre isso), a gente tinha pouca ligação cultural/esportiva com Belo Horizonte. As emissoras de rádio da capital mineira não pegavam lá. Ouvia-se muito as emissoras do Rio de Janeiro (principalmente a Rádio Nacional) e de São Paulo. Então, tinha um ou outro torcedor do Atlético Mineiro e do América (o Cruzeiro só ficou grande depois), mas torcia-se mais por times paulistas (Corinthians, Santos e São Paulo — embora tivesse descendentes de italianos lá, o Palmeiras não aparecia na lista) e cariocas (Vasco, Fluminense e Botafogo — estranhamente, não tinha torcedor do Flamengo).
Não havia televisão e a gente acompanhava pelo rádio os jogos dos campeonatos paulista e carioca, não existia o campeonato brasileiro. E os locutores paulistas gostavam de dar títulos às cidades em que ocorriam os jogos.
Quando iam transmitir jogos do Guarani ou da Ponte Preta, por exemplo, chamavam Campinas de “Cidade das Andorinhas”. Bauru era a “Cidade sem Limites”. Araraquara era a “Morada do Sol”. Piracicaba era a “Nova das Colinas”, e São Paulo era a “Cidade da Garoa”, mas falavam também, com orgulho, “A cidade que mais cresce no mundo”.
Ah... E quando iam falar do Rio de Janeiro, logo vinha o epíteto “Cidade Maravilhosa”.
Bom... Hoje em dia ainda há cidades que ostentam alguns epítetos (eita, palavra!). Por exemplo: “Noiva do Sol” é um qualificativo de Natal, no Rio Grande do Norte; Jequié, na Bahia, é “Cidade do Sol”, Fortaleza é a “Loira Desposada do Sol”; e João Pessoa (PB), a “Porta do Sol”. Feira de Santana, também na Bahia, é a “Princesa do Sertão”, enquanto Ponta Grossa, no Paraná, é “Princesa dos Campos”. Maringá, também no Paraná, é a “Cidade Canção”. São Vicente, no litoral paulista, onde portugueses construíram a primeira povoação no Brasil, não é nada modesta e se denomina “Cidade Monumento da História Pátria” e “Célula Mater da Nacionalidade”.
Em Mato Grosso tem uma cidade chamada Sorriso, mas existem muitas cidades que se intitulam “Cidade Sorriso”, como já disse. Veja algumas delas: Bom Despacho, em Minas; Mongaguá e Guararapes em São Paulo, Curitiba e Niterói. Maceió, capital alagoana, não se limita ao título de “Cidade Sorriso”, é também “Paraíso das Águas”. Manaus, que já foi chamada de “Paris dos Trópicos”, é outra que soma o título de “Cidade Morena” ao de “Cidade Sorriso”. Já Corumbá, em Mato Grosso do Sul, é só “Cidade Morena”.
Não poderia esquecer de Santos (SP), que acho que abandonou uma velha fama de militância comunista e era chamada de “Cidade Vermelha”.
Recife é há muito a “Veneza Brasileira”, Porto Velho é a “Pérola do Madeira”, Cuiabá, por causa do calor, é chamada meio ironicamente de “Cuiabrasa”, enquanto Garanhuns (PE), é a “Suíça do Nordeste” e Urupema (SC) é “Capital Nacional do Frio”. Juiz de Fora (MG), por causa da outrora grande indústria têxtil, era a “Manchester Mineira”. Salvador é a “Roma Negra”, além de se intitular “Capital da Alegria”.
Falando em “Capital da Alegria”, muitas cidades se intitulam capital de alguma coisa. Acho interessante ver os títulos que algumas cidades se dão. Piranguinho, em Minas Gerais, é a “Capital do pé-de-moleque”. E não muito longe dela fica Lagoa Dourada, a “Capital do Rocambole”.
Juruaia, cidade vizinha à minha também em Minas Gerais, é a “Capital Estadual da Moda Íntima”. Ibitinga, no estado de São Paulo, é “Capital do Bordado”, enquanto que a capital catarinense, Florianópolis, além de se dizer “Ilha da Magia”, é “Capital da Renda de Bilro”. Em Minas Gerais ainda, tem Monte Sião, “Capital do tricô”, e Inconfidentes, “Capital do croché”. Gaspar (SC), se diz “Capital da Moda Infantil”, e Terra Roxa (PR), “Capital da Moda de Bebê”.
Saiamos dessa área “têxtil”. No estado de São Paulo tem a “Capital do Lobisomem”, que é a cidade de Joanópolis.
Alguns animais também têm suas capitais. Por exemplo: o jumento é disputado por Zabelê, na Paraíba, que se intitula “Capital do jegue”, e Alto Paraíso de Rondônia se diz “Capital do Jerico”. Uauá, na Bahia, é “Capital do Bode”, e a gaúcha Livramento é “Capital das Ovelhas”. A raça de cavalos campolina foi criada e desenvolvida nas cidades de Cruzília e Luminárias, em Minas, mas a cidade que se considera “Capital do Cavalo Campolina” é Paty do Alferes (RJ). Já o cavalo quarto de milha tem a paulista Avaré como capital. A também paulista Barretos, antigamente conhecida cultuada por sua fértil terra-roxa, hoje prefere ser a “Capital dos Rodeios”.
São centenas de capitais, não dá para falar de todas. Então cito só mais algumas que me atraem muito, como Arapiraca, em Alagoas, “Capital do Fumo de Corda”.
Tatuí (SP), é “Capital da Música”, título reclamado também por Montes Claros (MG). Conservatória, povoado do estado do Rio, é “Capital da Seresta” (estive lá e não gostei do estilo de serestas deles: nelas era proibido beber álcool — em Minas, seresta sem cachaça não é seresta). Serra Talhada, em Pernambuco, terra de Lampião, é “Capital do Xaxado”, Joinville (SC) é “Capital da Dança” e Itaúnas (ES) é “Capital do Forró”. Teutônia (RS) é “Capital do Canto Coral”, e Oeiras (PI) é “Capital dos Bandolins”. São Luís (MA) se diz “Jamaica Brasileira” (acho que por causa do reggae).
Moita Bonita, em Sergipe, é “Capital da Batata Doce” e duas cidades disputam o título de “Capital do Quiabo”. São elas a sergipana Canindé do São Francisco e a mineira Paraopeba. Outras capitais de hortaliças e frutas: Ituporanga (SC) é da cebola, Uruana (GO) da melancia; Ipuiúna (MG) da batata; São Gotardo (MG) da cenoura e Valinhos (SP) é do figo roxo. Cerro Azul (PR) é “Capital da Poncã”, Pinto Bandeira (RS) é do pêssego de mesa, e duas cidades disputam o de “Capital do Morango”: Atibaia (SP) e Bom Despacho (MG). Araraquara (SP) ostenta o título de “Capital Mundial do Suco de Laranja”. Ah, coloquei “Capital das Abobrinhas” no título deste texto, por provocação, mas existe a “Capital da Abóbora”, Rio Verde (GO), que originalmente se chamava Rio Verde das Abóboras.
Goianópolis, distrito de Pirenópolis (GO) é a “Capital do Tomate”, título que já pertenceu a Taquaritinga (SP). Lá pelos anos 1970, estive em Taquaritinga e havia lá, na praça central, um grande monumento ao tomate. Nada demais, mas moradores de cidades vizinhas gozavam isso. Anos depois me contaram que jovens da cidade resolveram detonar o tomatão, e destruíram o monumento numa madrugada.
Não podia faltar, em Minas Gerais, a “Capital do Pão de Queijo”, título reivindicado por Porecatu, e também a “Capital da Cachaça”, hoje dado a Salinas (antes era Januária). Mas cada estado tem sua “Capital da Cachaça” (afinal a marvada é apreciada o Brasil inteiro). Em Santa Catarina, por exemplo, é Luiz Alves; no Paraná, é Morretes; no Pará é Abaetetuba; na Bahia é Abaíra; na Paraíba é Areia; em São Paulo, Pirassununga pode se outorgar isso pela quantidade que produz, mas Monte Alegre do Sul requer o título pela qualidade da sua produção. Paraty (RJ) era sinônimo de cachaça e agora tem uma festa anual dela. No Rio Grande do Sul, Santo Antônio da Patrulha não se contenta em ser “Capital da Cachaça”, é também do sonho e da rapadura.
Epa! “Capital da Rapadura”? Essa é outra que não podia faltar em Minas Gerais! E não falta, é Itaguara.
Parece estranho a rapadura merecer ter capitais também? Pois Itabaiana (SE), é do caminhão; Apucana (PR), do boné; e Belo Horizonte é nada menos do que “Capital Mundial” dos bares e botecos. A mineira Muzambinho, vizinha de Nova Resende, se declara “Capital do Carnaval Universitário”
Haja capitais. Não dá pra continuar. Pensei em terminar com um título dado por mim a alguma “Capital da Terra Plana”, logicamente local de eleitores predominantemente identificados como gado, mas daria um pouco de trabalho escolher. Então termino com Carlópolis, no Paraná, que nas eleições de 2022 deu mais de 61% dos votos para o coiso no segundo turno. Então, quase 39% votou contra ele. Por isso, desculpem-me, carlopolenses pensantes, sei que muitas cidades do Sul que deram uma votação mais expressiva ao coiso, mas Carlópolis é a “Capital da Goiaba de Mesa”. Como a ex-ministra Damares, dos Direitos Humanos e outras coisas, é paranaense, pergunto: será que foi lá que ela viu Jesus numa goiabeira?
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum