VINICIUS SARTORATO

Síria: O caos sucede a queda de Bashar Al-Assad

Falar sobre a questão síria exige precaução e conhecimento histórico

Rebeldes derrubam governo de Bashar al-Assad na Síria.Créditos: Reprodução/CBS News
Escrito en OPINIÃO el

Toda precaução ao tratar a questão síria é necessária. Infelizmente, muitos líderes mundiais dão pronunciamentos inconsequentes sobre a situação.

Para tentar entender o Oriente Médio é fundamental estudar a história que vai da queda do Império Turco-Otomano à divisão de áreas de influência para as forças europeias após a Primeira Guerra Mundial. Antigos territórios turco-otomanos divididos pela Liga das Nações (organização antecessora da ONU)  – a Síria e o Líbano ficaram sob mandato da França até 1946.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, outros elementos passam a ganhar força na região: o petróleo, a questão judaica, o pan-arabismo, a questão curda e as clássicas questões trazidas pela Guerra Fria, lideradas por EUA e URSS. 

É nesse contexto que, no início dos anos 60, Hafez Al-Assad aparece. Pai do presidente de saída hoje, ele aparecerá na história do movimento Baath, que mistura elementos de nacionalismo árabe, decolonialismo, laicicismo e socialismo.

Sem entrar no mérito dos 30 anos do governo do seu pai, Bashar Al-Assad governaria a Síria por mais 24 anos (2000-2024) até o presente momento. Depois de 13 anos de Guerra Civil, iniciada em 2011, estima-se 600 mil mortos, 6,7 milhões de deslocados, 6,6 milhões de refugiados. Uma ferida enorme.

Essa ferida, com a queda Basha Al-Assad, exilado na Rússia, deixa um quadro complexo de múltiplos atores políticos internos e externos lutando para dominar o país.

A “dita” colaboração prometida pelo primeiro-ministro do governo de saída não garante a paz. Mesmo com a promessa de Muhammad Al-Jawlani (HTS), líder que tomou Damasco, de que as minorias serão respeitadas, numa tentativa de apresentar um discurso moderado e de conciliação, ninguém acredita nisso de forma verdadeira.

Dentre as principais forças do cenário geopolítico sírio, estão, de um lado, as internas e externas. As internas, começando pelas ligadas ao antigo regime ligadas ao antigo regime, entendidas no Exército e as Forças de Defesa Nacional (grupo paramilitar); 

Representante maior do guarda-chuva de milícias islâmicas jihadistas liderados pelo HTS (Hayat Tahrir Al-Sham), fiel a Al-Qaeda até 2016, Al-Jawlani (HTS) é visto com desconfiança por todos os setores envolvidos no conflito.

Além do Exército e as Forças de Defesa Nacional (grupo paramilitar) ligados ao governo Assad, o líder dos milicianos terá que dialogar com as Forças Democráticas Sírias, compostas por curdos (independentistas e federalistas), apoiados pelos EUA; o Exército Nacional Sírio, por sua vez, é alinhado aos turcos – ligados à Irmandade Islâmica; e ao chamado Exército Islâmico. 

Por outro lado, Al-Jawlani (HTS) também deve negociar com as forças externas atuantes no conflito, em que se encontram turcos, russos, iranianos, árabes de diversas origens (libaneses, jordanianos, sauditas, catares principalmente), israelenses, estadunidenses e europeus.

O fato é que, apesar da celebração de alguns líderes mundiais, após a queda de Bashar Al-Assad, a Síria viu imediatamente o caos. Milhares de prisioneiros foram soltos, saques são feitos em grande quantidade e uma massa de emigração já está acontecendo – principalmente na direção da fronteira libanesa. 

Mais do que isso, os elogios do regime Taleban do Afeganistão se confundiram com a celebração de Macron, Scholz e a fala cautelosa de Biden. 

A aparente queda pacífica, guardada por um toque de recolher frágil, negociada por turcos, russos e catares deixou o país na mão dos milicianos, fato que coloca o país no caos completo. E não se trata aqui de defender o regime anterior, mas sim de constatar o perfil daqueles que ascenderam ou ascenderão ao poder.

A verdade é que, ainda que analistas e líderes coloquem a Turquia, o Catar, Israel e os EUA como vitoriosos e a Rússia e o Irã como os grandes perdedores da queda de Bashar Al-Assad e falem em uma "vitória civilizatória", as imagens demonstram um quadro muito diferente.

Certamente, a humanidade tem pouco a celebrar por este episódio. Ao que tudo indica, a guerra civil síria seguirá diante de um crescente caos. Com a possibilidade de uma divisão do país, uma maior radicalização religiosa e uma nova onda de mortes, deslocados e refugiados  – possivelmente com destino à Europa.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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