Era o comecinho da década de 80. Fomos parar mais ou menos na mesma época em um bar chamado Carranca, em Santos, frequentado por universitários. Ele, o Roberto Biela, tocava percussão e cantava, eu cantava e tocava violão. E assim como nós, haviam outros músicos. A escolha das duplas era aleatória, mas a gente torcia sempre pra cair juntos.
Aquele foi o começo de uma longa parceria e amizade, que resultou na banda Jornal do Brasil e, sobretudo, no lendário bar Torto, ideia do primo Alfredo encampada por todos nós. Neste momento, já era 1984. De lá pra cá, muita água rolou e, de certa forma, nunca mais deixamos de lado nossa amizade.
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Num dia de profunda tristeza, pouco depois do Natal deste ano, o Biela partiu, vítima de um tumor fulminante que, assim que foi detectado, o levou em poucas semanas. Seu velório, na manhã do último sábado (28), estava repleto de gente e, como não podia deixar de ser, vários músicos que, a pedido do próprio, cantaram, tocaram e beberam para celebrar a vida do nosso querido amigo.
O Biela era um talento nato, excelente percussionista, pianista e cantor. Tinha um repertório de extremo bom gosto, onde predominavam canções de Chico Buarque, uma paixão desmedida que ele carregava desde sempre. Seu talento maior, no entanto, talvez tenha sido outro. Por trás do músico excelente tinha um cara notável, capaz de cativar as pessoas com uma rapidez enorme.
Dono de um bom-humor sem fim, era capaz de contar inúmeras piadas por minuto, rir da vida e principalmente de si mesmo. No último dia em que o vi, passamos pouco mais de uma hora repassando bobagens, rindo da vida, fazendo piadas com os barulhos de um equipamento do hospital que, segundo ele, parecia um clarinete desafinado.
Estava triste, abalado e com muita vontade de ir embora, ir pra casa ao lado da sua Eli e da filha Gabriela, as maiores paixões da sua vida. Me disse meio pessimista que esperava ter alta lá pelo meio de janeiro, mas que nada era certo. Nos olhamos longamente, contemplando as décadas que havíamos vencido juntos, nos palcos, bares, festas e arredores. Dei um longo beijo em sua testa e disse que o amava muito. Ele me abraçou e respondeu que também me amava.
Sabia, por todas as informações até então, que era o fim. Chorei e ri muito o resto do dia, o resto de todos aqueles dias. Meu amigo Roberto Biela ia partir. E eu não conheço a vida adulta sem ele. Nem a de músico profissional. Ando ainda um tanto perplexo e com muito medo de cair em clichês e sentimentalidades. Ele detestava isso. Preferia mesmo era rir da vida.
Nas várias vezes que eu fui ver o Biela tocar em São Paulo, sempre ficava espantado com a enorme garotada que se juntava em torno dele. Estava solto, animava o público, cantava, regia o coro e era, sem medo de errar, extremamente querido por todos. Sentia orgulho do amigo.
E ele sempre inventava algo pra gente se apresentar novamente, efemérides, comemorações, pretextos pra celebrar tudo. Acabou.
Tocamos juntos pela última vez poucos dias antes dele ser internado. Era o aniversário de sua filha Gabi, minha querida prima/sobrinha. Ele sentia dores nas costas, mas achava que eram musculares. Foi a última vez em que ele se apresentou na vida.
Neste momento, fiquei alguns minutos parado diante da tela vazia procurando um desfecho pra esse texto. Percebi que não tenho. Que não quero dar. Não vou dar.