GOVERNO LULA

O anúncio do arrocho foi adiado. Por enquanto - por Gilberto Maringoni

O pacote pode até ser aprovado e as metas do ministro Haddad também podem ser cumpridas. Mas o desgaste oficial será profundo, com a quebra de direitos sociais e trabalhistas inscritos na Constituição. Nessa toada, 2026 periga se transformar num pesadelo

Haddad e Lula no Planalto.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

(a partir de uma conversa com Pedro Celestino)

Lula adiou a decisão pelos cortes profundos no orçamento, necessários para cumprir as metas do arcabouço. Passou a semana trancado em intermináveis reuniões com ministros, com direito a cotoveladas e bate-bocas entre eles. A população não faz a menor ideia do que está em jogo, o que dá vantagem ao consórcio Ministério da Fazenda/Faria Lima/Mídia, apóstolos do arrocho. Vale perguntar: com que base social Lula contaria para resistir a uma medida autoimposta, cujo não cumprimento implica crime de responsabilidade? Como resistirá à pressão do financismo, da mídia e da ala neoliberal de sua administração?

O presidente perdeu cuidadosamente todas as oportunidades de virar o jogo e impor uma rota democrática e desenvolvimentista ao país desde o início de sua gestão. Não fez denúncia consequente do 8 de janeiro, mostrando o conluio entre parcelas da classe dominante e altas patentes militares na trama golpista, não chamou o povo a se manifestar em defesa da democracia, colocou o governo a serviço da alta finança, repetindo seu primeiro mandato, com medidas compensatórias à manutenção da política econômica herdada de FHC, impediu um socorro de largo alcance ao Rio Grande do Sul (momento em que teria legitimidade para quebrar o novo teto de gastos, a exemplo do que Bolsonaro fizera em 2020, quando despejou cerca de R$ 600 bi na economia, rompendo o teto de Temer) e subestima o efeito das queimadas de norte a sul, evitando mais uma vez usar o poder e os recursos do Estado para uma ação de envergadura. 

O lamentável é que não se trata de uma sequência de deslizes fortuitos, mas de uma política deliberada, que deixou de lado seu "momento Roosevelt", ou seja, os primeiros 100 dias de mandato, período em que, recém-legitimado pelas urnas, o governante tem a seu favor parte expressiva da opinião pública para realizar iniciativas ousadas. 

Estamos no momento contrário, após uma tunda nas eleições municipais, com a direita e a extrema-direita fortalecidas e num quadro internacional adverso, marcado pela vitória de Trump. Pelo que se enxerga no governo e nas direções dos partidos de esquerda (apesar de expressivas insatisfações internas), a letargia segue em frente. No entanto, a vacilação de Lula na última semana parece mostrar que o presidente já sentiu o clima. O pacote pode até ser aprovado e as metas do ministro Haddad também podem ser cumpridas. Mas o desgaste oficial será profundo, com a quebra de direitos sociais e trabalhistas inscritos na Constituição. Nessa toada, 2026 periga se transformar num pesadelo. Mas isso é detalhe: o que importa é que as contas fiquem equilibradas...