VALORIZAÇÃO DA FAMA

Como a extrema direita aprendeu a linguagem midiática – Por Raphael Fagundes

Celebridades idiotas: As redes sociais contribuíram para fortalecer o sonho das classes sociais humilhadas e exploradas

Jojo Todynho.Créditos: Reprodução/Instagram
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Uma esperança dos indivíduos que fazem parte das classes sociais humilhadas e exploradas é um dia se tornar uma celebridade. As redes sociais contribuíram para fortalecer esse sonho. Adolescentes e jovens adultos são seduzidos pela fama. Abrem canais no YouTube e postam vídeos no Instagram à espera de curtidas e visualizações, o que, para eles, é o reconhecimento social por excelência.

“Muitas celebridades brasileiras têm sua origem marcada pela pobreza e ausência das formas tradicionais de ascensão social, como nascimento ou herança, associadas pela escassez de possibilidades, só apresentam a fama como o caminho para que elas consigam subir de classe social e se tornarem pessoas com mais poder econômico e acesso às altas camadas da sociedade”, explicam os pesquisadores Paulo Santana e Gilvan Araújo.[1]

Surge a lógica do sujeito transclasse. É o caso de Jojo Todynho que ao mesmo tempo em que exibe sua fartura e ostentação (assim como as celebridades do trap), reforça sua condição de sujeito transclasse. Ao experimentar caviar declama: “Eu prefiro meu ovinho frito, uma linguicinha, um arroz com feijão”.[2]

Essa valorização da fama, pode mostrar como uma pessoa rompeu sua realidade, “entendendo que, normalmente, pessoas como ela (preta, pobre, gorda, anônima e periférica) não conseguiram estar naquele lugar com aquelas pessoas ricas e famosas se não tivesse superado todas as dificuldades e preconceitos e alcançado o sucesso”.[3] Um belo discurso woke para manter a fé na meritocracia e colocar o sucesso pessoal como objetivo de vida, o que Nancy Fraser chamou de “neoliberalismo progressista”[4], em crise, e que levou à vitória de Trump nos EUA.

A luta pela fama entre as classes populares, que se inspira na proliferação das celebridades, é um projeto de futuro que está seduzindo o pensamento da juventude atual. Tudo parece ser tão rápido e fácil. Não seria mais necessário “gastar tempo” se dedicando aos estudos, já que a ferramenta necessária para fazer sucesso está na palma da mão.

É através dos aparelhos celulares que a visibilidade almejada pode ser conquistada. A juventude vive na lógica das curtidas: a quantidade de curtidas é o que determina o valor da mercadoria cultural que é consumida. O valor de verdade de um pensamento está relacionado ao número de seguidores que o indivíduo (subcelebridade ou celebridade) possui.

A celebridade idiota

As celebridades já existem desde a invenção da cultura de massas. Elas sempre influenciaram no consumo, em propagandas políticas etc. Muitas crianças sonhavam em ser jogador de futebol, atriz de cinema etc. A questão é que hoje há uma proliferação de celebridades porque a tecnologia midiática, produtora de celebridades, está agora na palma da mão. “A visibilidade midiática, a possibilidade de se expor na rede, a ampliação da noção de espetáculo para além das vedetes do cinema só são possíveis com a entrada das mídias digitais”.[5]

Para além disso, há a questão técnica. Programas e app de edição, cortes etc, são acessíveis. Assim, construir uma realidade fabricada, como outrora, mas que somente as grandes emissoras de TV eram capazes de fazer, não é mais tão difícil.

Mas a fórmula que vingou, e que por sua vez é a mais perigosa, é o modelo de construção da celebridade idiota. E, num momento próximo à digitalização da sociedade ocidental, a fórmula para a produção de tal celebridade podia ser encontrada em programas como o Pânico na TV, CQC, Superpop etc. Daí veio o modelo que foi copiado pelos influenciadores digitais de extrema direita.

Na democracia midiática em que vivemos, “os atores políticos tendem a presumir que eles só poderão ter voz ativa se puderem controlar o modo como são retratados pela MÍDIA de massa, de modo que passem a ter acesso (em seus próprios termos) a um público mais amplo ao se submeter aos códigos estabelecidos pela MÍDIA”.[6] Como a celebridade é um produto da mídia, a possibilidade de um político que adote os códigos da mídia de massa, tornar-se uma celebridade é enorme. Do mesmo modo, é impossível não haver uma proliferação de celebridades quando as técnicas midiáticas são democratizadas, promovendo uma quantidade infinitesimal de “canais”.

Programas como Pânico na TV e outros tinham uma maneira específica de forjar celebridades. Os valores que sustentam a interação entre tais programas e as celebridades são: “espontaneidade, diversão a qualquer custo e agressividade, principalmente”, explica o pesquisador Leandro Pereira. De acordo com Vera França e Paula Simões, o pesquisador “identifica, ainda, a negação de outros valores, como o compromisso, a compaixão e o respeito ao outro. A análise revelou que o escracho, a irreverência e a desconstrução são marcantes na proposta de interação de Pânico com as celebridades”.[7]

Segundo matéria do El País de novembro de 2018: “Jair Bolsonaro foi, durante anos, objeto de piada da televisão brasileira. O presidente eleito, em sua época como parlamentar, era uma mina de comentários polêmicos e controversos que alguns programas, como o CQC, Pânico e Superpop, tentaram explorar. Em 28 de outubro, Bolsonaro venceu as eleições brasileiras. Monica Iozzi, ex-repórter do CQC, lamentou em seu Instagram ter dado tanto espaço a ele: ‘Eu me arrependo de tê-lo entrevistado tantas vezes’, diz”.[8]

Mas a atriz Monica Iozzi (que conseguiu tornar-se uma celebridade por fazer parte desse tipo de programa) não tem culpa. A polêmica envolvendo figuras públicas é uma mina de ouro para a mídia. E, assim como Monica Iozzi, que alienadamente (aparentemente fazia porque era a lógica, o natural do espetáculo midiático) ajudou na celebritização de Bolsonaro, a apresentadora Maju Coutinho ajudou na criação de Jojo Todynho, que “se declarou uma mulher conservadora e fez publicações de apoio a Alexandre Ramagem, candidato do PL à prefeitura do Rio”.[9]

Seguidores = eleitores

A extrema direita soube se aproveitar desse código explorando os elementos morais mais importantes para as classes desfavorecidas.

De acordo com Jessé Souza, a escravidão nos deixou duas heranças que compõem a nossa identidade nacional: a imagem de um povo corrupto, uma maneira de modernizar a humilhação sobre o ex-escravo sem receber a alcunha de racista; e a “produção de uma classe de pessoas feitas para serem exploradas e humilhadas”.[10] Como um povo oprimido, excluído da riqueza econômica gerada por ele mesmo, vai conquistar reconhecimento social, mola propulsora para a ação coletiva? O próprio autor explica: “para quem tem pouco, como o pobre ‘honesto’ e ‘homem de bem’, a moralidade - falsa e fabricada contra ele próprio - passa a ser tudo”.[11]

Investindo intensamente em temas morais, pautando a política através de valores, a extrema direita vai criando celebridades que reproduzem tais códigos midiáticos (a polêmica moral) como estratégia para ampliar suas fileiras. Não há projeto de nação ou argumentos para solucionar diversos pontos que assolam a população brasileira, apenas táticas que usam a lógica midiática para o sucesso, somar seguidores que, em dia de eleição, tornar-se-ão eleitores.

Chamamos de celebridades idiotas partindo da raiz etimológica da palavra idiota que “vem do grego Idios, que significa ‘privado’, ‘sem compromisso com a vida pública, fechado em si”.[12] Os partidos de extrema direita no Brasil não se importam com os problemas sociais. A tática é recrutar pessoas que usam a estética midiática de produção de celebridades idiotas (que exploram polêmicas midiatizáveis), justamente porque elas conseguem acumular um número vasto de seguidores aumentando as possibilidades de levar um número cada vez maior da sigla para o parlamento. Como uma equipe de futebol que contrata jogadores para levar seu time à vitória. A política que deveria ter um objetivo coletivo é tragada por grupos que querem ocupar a máquina para o enriquecimento de sua corporação, seu próprio partido político.

A extrema direita aprendeu muito com a imprensa popular que fazia sucesso nos anos 2000 e, além disso, percebeu a ascensão das redes sociais. Nesse espaço adotou uma operação retórica marcada pela trollagem em um país que se informava muito mais pelo WhatsApp do que pela mídia tradicional. Essa operação retórica, além de “oferecer o humor necessário para manter a atenção do espectador/leitor”, adotou outros procedimentos como “registro extremamente agressivo contra o interlocutor ou sujeito tematizado no discurso, desconsideração completa da diferença entre verdade factual, hipótese não fundamentada e pura invenção, modo hiperbólico do discurso, postulação de algo oculto e adoção de uma ambiguidade acerca da seriedade ou não do enunciado e da crença ou descrença do sujeito enunciados nele”.[13] O mesmo discurso que formava influenciadores polêmicos foram apropriados pela extrema direita para formar suas celebridades idiotas.

Nas eleições dos EUA vemos algo muito parecido. A classe explorada e humilhada dos EUA pode se sensibilizar com o caso Diddy, sujeito que demonstrou apoio a Biden em 2020 e que recebeu os agradecimentos de Kamala Harris, em post resgatado por internautas recentemente. O rapper até tinha relações com Trump, mas como mostra a reportagem do Poder 360: “Apesar da suposta amizade no passado, Diddy passou a criticar Trump nas eleições de 2020 e anunciou apoio à candidatura do democrata Joe Biden em entrevista ao apresentador de rádio Charlamagne tha God”.[14]

Mas, devido a importância das celebridades, o elenco dos “Vingadores” fez um vídeo para dizer que apoiava a candidata democrata que concorria ao pleito este ano. Mas o pobre honesto dos EUA, que é excluído da riqueza produzida em seu país, vai ser persuadido pelas pessoas que fazem parte do suposto antro depravado que é Hollywood?

As celebridades - não mais as consagradas da grande imprensa - vêm sendo exploradas pelos partidos de forma tão intensa que o processo de transformação de um sujeito em político vem se assemelhando ao processo de transformação de um sujeito em celebridade. Seguidores tornam-se eleitores. “Quando a política é mediada e o político se torna uma celebridade, o eleitor se torna um fã”.[15] Não é por acaso, portanto, que os embates políticos vêm se parecendo cada vez mais com espetáculos futebolísticos.

Será que a esquerda irá conseguir aprender a linguagem das novas mídias e fazer uso delas como o faz a extrema direita?

 

[1] SANTANA, P. e ARAÚJO, G. As celebridades transclasse: uma possível abordagem para o fenômeno. Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 55, e-129351, 2023.

[2] Id., p. 12.

[3] Idem.

[4] FRASER, N. Neoliberalismo progressista versus populismo reacionário: a escolha de Hobson. GEISELBERGER, H. (org.) A grande regressão.

[5] KARHAWI, I. De blogueira a influenciadora. Porto Alegre: Sulina, 2022, p. 82.

[6] MEYER, T e HINCHMAN, L. Democracia midiática. São Paulo: Loyola, 2002, p. 25.

[7] FRANÇA, V e SIMÕES, P. Perfis, atuação e formas de inserção dos famosos. ________ (orgs.) Celebridades no século XXI. Belo Horizonte: EdUFMG, 2014, p. 50.

[8] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/31/politica/1540978539_344863.html

[9] https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/petista-chama-deputado-do-pl-para-esperar-la-fora-na-alerj-apos-fala-sobre-jojo-todynho,f7f301e25e008f610519a61e7301c3fdeya80lg9.html#google_vignette

[10] SOUZA, J. O pobre de direita. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2024, p. 69.

[11] Id., p. 78.

[12] CASARA, R. A construção do idiota. Rio de Janeiro: Da Vinci, 2024, p. 31.

[13] AVELAR, I. Eles em nós. Rio de Janeiro: Record, 2021, p. 256.

[14] https://www.poder360.com.br/poder-internacional/internautas-resgatam-post-de-kamala-em-apoio-a-diddy/

[15] MARTINO, L. e MARQUES, A. Política, cultura pop e entretenimento. Porto Alegre: Sulina, 2022, p. 72.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.