A transição do globalismo ao neofascismo é um fenômeno marcado por uma complexa inter-relação entre as crises econômicas, políticas e sociais que emergiram nas últimas décadas. Esta transição começa com a implementação das políticas neoliberais, que provocaram a devastação do Estado nacional e deixaram amplas camadas da população desamparadas. Em resposta a esse cenário, muitos recorrem à figura do “líder forte”, um arquétipo que a direita tem cultivado e que reflete a busca desesperada por soluções fáceis frente a um contexto de incertezas.
Nos anos 80 e 90, a globalização neoliberal começou a ser vista como a panaceia para todos os males econômicos. No entanto, essa abordagem fez com que a democracia, enquanto um meio de intervenção política igualitária, fosse descreditada, sendo considerada “pouco complexa” em relação à “complexidade exacerbada” do mundo moderno. As elites, em sua busca por desregulamentação e crescimento econômico, passaram a ver a democracia como um entrave, não como uma base para o desenvolvimento social e econômico.
Esse pensamento se materializou em um modelo econômico que priorizava o crescimento “de baixo para cima”, o que se traduzia em cortes nos direitos trabalhistas e na abolição de regras como o salário mínimo. O que se buscava, na verdade, era a criação de um ambiente de mercado onde a propriedade privada e a liberdade econômica fossem protegidas às custas de políticas sociais que garantissem a redistribuição de riqueza. Essa era uma nova interpretação econômica que, sob a bandeira de Hayek, fazia uma crítica contundente ao keynesianismo que havia dominado boa parte do século XX.
A ideia de que o crescimento econômico não necessitava de redistribuição, mas sim de um mercado “livre”, foi aceita e disseminada por governantes e instituições ao redor do mundo. O que poderia ser um avanço na equidade social tornou-se, em muitas situações, um retrocesso. Politicamente, essa virada foi acompanhada pela adoção de uma retórica que minimizava as funções do Estado, colocando a governança global acima das políticas democráticas nacionais. Neste contexto, a democracia não mais atuava como um motor de progresso, mas como uma barreira ao “progresso econômico”.
A desintegração do modelo de capitalismo democrático se mostrou evidente a partir do apelo por soluções que priorizam a liberalização econômica e a globalização. Essa lógica, muitas vezes disfarçada sob a forma de lemas de liberdade e prosperidade, acabou por criar um sentimento de impotência coletiva entre as maiorias. O resultado foi um cultivo de um descontentamento que, em períodos de crise, se transformou em apelo por figuras autoritárias que se apresentavam como salvadores em meio ao caos.
Diante dessa insatisfação, parte da população que se sentia desamparada pelas políticas neoliberais passou a adotar posturas extremas. O desejo por “líderes fortes” não é apenas uma consequência da crise do Estado nacional, mas um reflexo de um desejo por controle em um mundo em que as certezas foram substituídas pela volatilidade. O neofascismo, então, se incumbiu de preencher esse vácuo de poder, alicerçado em discursos que prometiam segurança e ordem em um contexto de tumultuações sociais.
No entanto, é necessário analisar a transição do globalismo ao neofascismo como um processo que revela a insustentabilidade de um modelo que primava exclusivamente pelo lucro em detrimento da equidade. Esse movimento não deve ser interpretado como uma solução, mas sim como uma resposta reativa a problemas estruturais que o próprio neoliberalismo ajudou a criar. O neofascismo se alimenta desse desespero, ao mesmo tempo que ignora as precondições necessárias para a construção de uma sociedade mais justa.
A crise da democracia neoliberal não se resume apenas à efemeridade da confiança nas instituições, mas revela uma insustentável fragilidade estrutural, fruto de três décadas de políticas que priorizaram lucros em detrimento do bem-estar coletivo. A perda de confiança nas instituições democráticas e a falência dos mercados, que tanto se acreditava serem infalíveis, põem em evidência a urgência de a sociedade redirecionar suas energias para a construção de um futuro mais igualitário e sustentável.
É imperativo que as ações e políticas progressistas surjam como resposta a esta crise, criando uma alternativa que não apenas se oponha ao neoliberalismo, mas que também promova um renascimento da democracia em sua forma mais genuína. Isso pode ser alcançado através de um conjunto de iniciativas que visem reconstituir a confiança pública nas instituições e restaurar a equidade social.
Primeiramente, uma reforma abrangente do sistema político deve ser priorizada, garantindo maior representatividade e inclusão. Isso pode incluir o fortalecimento de mecanismos de democracia participativa, onde os cidadãos possam influenciar diretamente as decisões que afetam suas vidas. A implementação de conselhos comunitários e assembleias populares, por exemplo, poderia reestabelecer o vínculo entre a governança e a cidadania, promovendo a transparência e a responsabilidade.
Em segundo lugar, o fortalecimento da seguridade social é essencial. Políticas que garantam acesso universal à saúde, educação de qualidade e proteção social garantirão um piso mínimo de dignidade a todos os cidadãos. Além disso, a criação de um sistema de renda básica, que assegure um suporte financeiro a todos, pode ajudar a mitigar os impactos da insegurança econômica e a restaurar a dignidade das populações mais vulneráveis.
Ademais, é fundamental que haja uma reavaliação da política econômica. Em vez de se concentrar apenas em medidas de austeridade que penalizam as classes trabalhadoras, as políticas devem se comprometer com a redistribuição da riqueza, através de impostos progressivos e investimentos públicos em infraestrutura e inovação social. Promover a economia solidária e o desenvolvimento de cooperativas pode contribuir para um modelo econômico que respeite os direitos dos trabalhadores e fomente a autonomia.
Por fim, uma nova alternativa democrática deve ser construída sobre os pilares da sustentabilidade ambiental. Políticas que integrem a justiça social à justiça ambiental são urgentes. A transição para economias de baixo carbono, aliada à promoção de tecnologias limpas e sustentáveis, não só pode gerar empregos, mas também preservar o planeta para as futuras gerações. A educação ambiental deve ser incorporada à formação cívica, preparando os cidadãos para as realidades interconectadas do mundo contemporâneo.
A restauração da confiança na democracia passa, portanto, por uma renovação profunda dos vínculos entre o Estado e a sociedade. A construção de um novo contrato social, que reconheça e valorize a diversidade, a solidariedade e o bem-estar coletivo, é não apenas necessária, mas uma obrigação moral frente aos desafios do século XXI. Através dessas ações e políticas progressistas, é possível reverter a trajetória do neofascismo, promovendo um futuro em que a democracia se reafirme como uma força transformadora e inclusiva, capaz de atender às necessidades e aspirações de todos os cidadãos.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.