O BRASIL NO MUNDO

Diplomacia: caminhamos para a subalternidade - por Gilberto Maringoni

A chamada diplomacia ativa e altiva, propalada nos dois primeiros governos Lula, possivelmente está morta. Mas precisa ser reexaminada agora, em seus limites e possibilidades, à luz das trapalhadas atuais

Lula e Maduro: à beira do rompimento.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A diplomacia brasileira vive um mau momento. O veto à entrada da Venezuela no BRICS, sob o argumento de "quebra de confiança" introduz um subjetivismo alheio às relações internacionais. Quebra de confiança ocorreu após o acordo nuclear selado entre Irã, Brasil e Turquia, em 2010, a pedido dos EUA. Como se sabe, depois de concluídas as tratativas, Washington rompeu com o negociado e voltou a aplicar sanções ao país islâmico. Barack Obama quebrou uma relação de confiança e o Brasil não tomou medida alguma. 

Claro que são situações completamente diferentes. Mas "quebra de confiança" é expressão vaga o suficiente para ensejar qualquer coisa.

Como se sabe, o Brasil não tomou nenhuma iniciativa diante de duas quebras da legalidade democrática - essas sim objetivas - em dois países da América do Sul, nos últimos dois anos. 

Em dezembro de 2022, o recém-eleito presidente Lula apoiou em nota o golpe de Estado no Peru, desferido contra o presidente eleito Pedro Castillo por sua vice Dina Boluarte, em aliança com a extrema-direita. A alegação de diplomatas brasileiros foi a de que a situação era confusa e que o Castillo tentara um golpe. Não é verdade e a assessoria de Lula parece desconhecer a Constituição do país, que faculta o chefe do Executivo a dissolver o Congresso, como num regime parlamentarista.

O segundo caso se deu em abril deste ano. As forças de segurança equatorianas invadiram a embaixada do México, em Quito, para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, ali asilado. É algo que afronta convenções internacionais e equivale a invasão territorial. O Equador é governado por Daniel Noboa, de extrema-direita. Diante do assalto, dias depois o presidente Lula declarou o seguinte, em reunião da CELAC (Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos): "Um pedido formal de desculpas por parte do Equador é um primeiro passo na direção correta". Apesar de repudiar a ação, Lula limitou-se a pedir a retomada do diálogo entre os dois países. Nenhuma sanção foi aventada.

Peru e Equador são países mantidos na órbita dos Estados Unidos. A Venezuela não.

O comportamento subalterno de Brasília em relação a Washington - que se expressa também na relação de as Forças Armadas têm com o Departamento de Defesa e na compra de armamentos - tem diversas explicações. Entre elas possivelmente está uma espécie de satisfação que o governo Lula deve à administração Biden. O motivo deve-se a pelo menos dois alertas que Washington transmitiu ao governo Bolsonaro e às FFAA, em 2022, fazendo-os saber que uma ruptura institucional no Brasil não seria tolerada. E há, claro, a tradicional hegemonia continental do Império.

Depois de tentar interferir em questões internas da Venezuela, ao sugerir a realização de novas eleições, o Brasil investe contra um vizinho com quem quase não teve desavenças em dois séculos de relações. E coloca em dúvida decisões tomadas por instituições venezuelanas. A provável fraude eleitoral cometida por Nicolás Maduro não pode ser argumento para questionar relações entre Estados soberanos. De outra parte, os ataques do presidente venezuelano a instituições brasileiras têm de ser repudiados, mas há escalas e tempos para isso. Uma crise que não deveria existir subiu mais um degrau, depois de Maduro chamar seu embaixador no Brasil de volta a Caracas e por ter convocado o representante brasileiro lá para explicações. O governo brasileiro adentra com gosto um beco sem saída, com possíveis implicações entre os países do BRICS.

A chamada diplomacia ativa e altiva, propalada nos dois primeiros governos Lula, possivelmente está morta. Mas precisa ser reexaminada agora, em seus limites e possibilidades, à luz das trapalhadas atuais.