A novela “Terra e Paixão”, exibida na faixa das 21 horas da Globo e de autoria de Walcyr Carrasco, encerrou nesta sexta-feira (19). Carrasco conseguiu resgatar o prestígio da faixa noturna, que vinha em queda, e proporcionou um final surpreendente, mesmo dentro dos padrões de uma telenovela.
Neste texto, vamos focar em dois núcleos da novela. Outras questões da trama, você pode conferir aqui. Dito isso, importa para nós a maneira magistral como Walcyr Carrasco finalizou e dialogou a trama de Aline (Barbara Reis), Antônio La Selva (Tony Ramos), Irene La Selva (Glória Pires), Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo).
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A violência patriarcal
O personagem Antônio La Selva, notavelmente interpretado por Tony Ramos, serviu como símbolo do mundo dominado pelo poder masculino, hétero e violento.
No alfabeto de Antonio La Selva, não existia aquilo que chamamos de diálogo; tudo era resolvido, como ele dizia, na bala, e assim foi ao longo da trama. Dono de um império da soja, Antônio impunha terror em uma cidade fictícia localizada ao Sul de Mato Grosso.
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No entanto, tudo muda quando La Selva manda assassinar a família de Aline. Ela e seu filho sobrevivem, e mulher decide lutar pela terra que o pai de Antônio deixou para o companheiro da protagonista.
A partir dessa trama, Walcyr Carrasco mergulha e nos apresenta o universo patriarcal, onde tudo é resolvido a partir da violência armada e as mulheres devem se limitar ao papel de meras reprodutoras e ao espaço da cozinha. Dessa maneira, Aline é a antítese de Antônio e, por causa disso, precisa morrer.
O último suspiro do patriarca
Diante do fato de que a existência de Aline significa o surgimento de um outro mundo, Antônio La Selva, como representação do atraso, elabora uma série de planos para assassiná-la. Para tanto, ele conta com os serviços de seu matador, Ramiro.
No entanto, no meio do caminho, Ramiro conhece e se apaixona pelo garçom do bar do vilarejo, Kelvin, e em determinado momento, decide que não quer mais matar pessoas. Passar o resto de sua existência ao lado do amado torna-se seu principal objetivo. Para tanto, ele se entrega à polícia e relata todos os assassinatos que praticou a mando de Antonio La Selva.
O patriarca morre pelas mãos da bixa
Com a denúncia minuciosa de Ramiro, Antônio La Selva é preso, mas consegue escapar na transferência para o presídio e vai até o casamento de Aline com Caio La Selva (Cauã Reymond) para matá-la. No entanto, é pego e morto pelas mãos de Ramiro, a bixa matadora.
Com tal desfecho, Walcyr Carrasco constrói uma simbologia extraordinária e em completo diálogo com o tempo presente, onde vivemos diante de uma extrema direita que busca recolocar o patriarcado no centro dos poderes e uma esquerda que busca construir poderes onde mulheres, LGBT+, pessoas negras e povos originários sejam autônomos, livres e sujeitos políticos.
Dessa maneira, “Terra e Paixão” termina de maneira ousada ao “matar” o patriarcado pelas mãos da bixa e, como se não fosse suficiente, ainda nos brinda com o casamento de Ramiro e Kelvin na prisão, com a presença de todos.
Ainda que estejamos na esfera do mundo ficcional e televisivo, as alegorias construídas por Walcyr Carrasco para encerrar a sua trama são transgressoras e mostram que as transformações políticas e sociais, que se não se darão amanhã, estão em construção, passando pelas mãos das feministas, LGBT+, pessoas negras, povos originários e todos aqueles que foram historicamente perseguidos e silenciados.