GOVERNO LULA EM DISPUTA

Nísia vai à luta contra o apetite insaciável do Centrão e aliados - por Mauro Lopes

O apetite do Centrão e aliados à direita e à esquerda é insaciável. Nísia Trindade está naturalmente desgastada com o cerco contra ela, mas não vai desistir. A estratégia é acelerar ao máximo as ações do Ministério e ampliar articulação com o Congresso. Ela precisa de apoio da opinião pública

Nísia Trindade em audiência na Câmara dos Deputados.Créditos: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Escrito en OPINIÃO el

Em meados de 2023, o Centrão lançou uma ofensiva agressiva para tentar derrubar a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e colocar as duas mãos no pote de ouro. Não deu certo, mas o partido da grana não desistiu.

Na ocasião, houve até campanha pela pela permanência da ministra nas redes sociais: na segunda metade de junho, a hashtag “Nísia Trindade fica” teve mais de 50 mil publicações em menos de uma semana.

Parlamentares do Centrão alegavam que a ministra não cumpria acordos, não liberava as verbas das emendas parlamentares, não os tratava com carinho, não abrindo o Ministério para transformá-lo num pasto dos parlamentares gulosos…

Nísia, assim como Flávio Dino, foram os principais alvos da aliança entre o Centrão e a extrema direita em 2023. No caso de Dino, era ódio; no caso de Nísia, interesse. Ela esteve nada menos que sete vezes ao Congresso, seis vezes na Câmara e uma no Senado, número equivalente ao de Dino em 2023. O objetivo dessas convocações ou convites não era obter esclarecimentos: era atazanar, infernizar, arrancar memes, arrumar frases lacradoras e intimidar a ministra e o ministro.

A ofensiva contra a ministra foi contida, mas o apetite do Centrão não foi satisfeito. No caso de Dino, sua nomeação ao STF tirou-o da alça de mira imediata. No caso de Nísia, estamos em meio a nova ofensiva, iniciada na virada de 2023 para 2024.

Não há limites para o apetite do Centrão nem para o ódio da extrema direita -é preciso que se diga, ao apetite do Centrão soma-se o de parcelas da bancada do próprio PT e de outros partidos mais à esquerda. Nas palavras de um dirigente do Ministério com quem conversei, “é incrível, mas há deputados do PT até mais agressivos que os do Centrão”.

O Ministério da Saúde tem orçamento de R$ 199 bilhões para 2024. Ao lado dos ministérios da Previdência, Desenvolvimento e Assistência Social e Educação compõe o quarteto das pastas com orçamentos acima dos R$ 150 milhões. Mas o Ministério da Saúde tem “um quê a mais” de interesse dos parlamentares: é o que concentra a maior parte dos recursos de emendas que irrigam as bases de deputados e senadores.

Quem convive no Congresso Nacional, especialmente na Câmara, sabe que a atividade parlamentar da maioria tem três prioridades: 1) irrigar seus redutos eleitorais com verbas milionárias; 2) irrigar seus redutos eleitorais com verbas milionárias; 3) irrigar seus redutos eleitorais com verbas milionárias. Os mandatos viraram grandes empresas com orçamentos milionários que são administrados com interesse quase exclusivo em garantir a reeleição do parlamentar.

Para que se tenha uma ideia, cada deputado terá direito em 2024, em média, a R$ 58 milhões em emendas -se o parlamentar tiver sobrenome Lira ou for amigo do peito, esse valor pode triplicar. A cifra nas mãos de apenas um deputado será maior que a recebida  anualmente por 79% das prefeituras do país!

O jornal O Globo publicou uma didática tabela sobre os recursos do Ministério da Saúde destinados a investimentos e sua evolução no tempo. Em 2018, o Ministério da Saúde tinha controle total sobre R$ 5,1 bilhões de verbas destinadas a investimentos; as emendas parlamentares da Saúde eram da ordem de R$ 5,5 bilhões. A partir de 2019, quando o Centrão torna-se sócio do governo Bolsonaro, a participação do Ministério continua quase inalterada e a das emendas parlamentares começa a escalar: R$ 6,7 bi (2019), R$ 12,7 bi (2020), R$ 15,8 bi (2021) e R$ 14,8 bi (2022). No primeiro ano do governo Lula, o governo foi mantido com a faca no pescoço: R$ 14,7 bilhões em emendas parlamentares e apenas R$ 5,3 bilhões definidos diretamente pelo Ministério.

O Centrão e seus associados à esquerda e à direita não querem um ministro da Saúde; querem um despachante dos seus interesses. 

A pressão aumentou porque o Ministério adotou uma norma no fim de 2023 para dotar a distribuição dos recursos das emendas parlamentares de um mínimo de adequação às necessidades de saúde da população e não unicamente às necessidades da saúde financeira-eleitoral dos deputados e senadores. Foi editada uma portaria, em dezembro, que impôs, na visão dos parlamentares, travas para a indicação de recursos extras oriundos do antigo orçamento secreto a estados e municípios.

A portaria de 19 de dezembro estabeleceu norma que condiciona transferências de valores voltados para o custeio de serviços de saúde de atenção especializada à aprovação das propostas pela chamada Comissão Intergestores Tripartite (CIT). O colegiado é formado por gestores estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada estado. Portaria anterior, de maio do ano passado, indicava que seriam priorizadas as propostas aprovadas pela CIB, sem apontar sua exigência. Os parlamentares querem dispor das verbas como se fossem seu orçamento familiar, sem qualquer controle. Por isso estão ainda mais furiosos com Nísia.

A ministra do governo Lula tem sido atacada por parlamentares fluminenses, sob comando do petista Washington Quaquá pelo que consideram “ineficiente” a gestão dos hospitais federais no Estado -ele tem defendido publicamente a demissão da ministra, de olho nos milhares de cargos e milhões de verbas. 

Para completar, a extrema direita está abrindo fogo contra Nísia por conta da nomeação de um filho como secretário de Cultura de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio. Para os bolsonaristas, ele teria sido nomeado depois da liberação de recursos para a cidade pela pasta, o que a ministra nega taxativamente.

Nísia está naturalmente desgastada com o tempo e intensidade do cerco contra ela. Mas a ex-presidenta da Fiocruz não está disposta a entregar o Ministério aos interesses de parte expressiva do Congresso Nacional. Sua gestão é tida como exemplar pelo setor da saúde do país, seu nome é respeitado nacional e internacionalmente e ela vai à luta -na verdade, está na luta há muito tempo.

Conversei com uma pessoa da cúpula do Ministério da Saúde. Há tensão e preocupação com a ofensiva. Para contrapor-se a ela, a pasta está 1) procurando aumentar o diálogo com os parlamentares e a eficiência na liberação das tais emendas; 2) acelerando ao máximo os programas e ações; 3) lançando no início desta semana um programa para retomar obras que ficaram paralisadas ou inacabadas na área da saúde nos últimos anos. Estima-se que cerca de 5,4 mil obras poderão ser contempladas. O investimento pode chegar a R$ 3,7 bilhões.

Será suficiente para mantê-la no cargo? A batalha está em curso.

Neste fim de semana, somaram-se à defesa de Nísia liderada por Gleisi Hoffmann as manifestações de alguns líderes da base do governo no Congresso e outros parlamentares.

A ministra está em Davos, em missão designada pelo presidente Lula, no Fórum Econômico Mundial. De lá, lidera sua equipe na batalha contra o cerco do Centrão e seus aliados. Os protagonistas do SUS e da saúde pública, os movimentos sociais e a opinião pública precisam sair em defesa de Nísia Trindade.