O noticiário político dos últimos dias foi quase completamente dominado pelo tema Supremo Tribunal Federal. Quando o objeto da controversa não foram os votos do neófito Cristiano Zanin, foi a nomeação do indicado para substituir Rosa Weber, que se aposenta no início do mês que vem.
Falando em “diversidade”, muitos pressionam para que o presidente Lula indique uma mulher para a vaga, de preferência uma mulher negra. Improvável que isso aconteça. A prioridade não é essa.
O plano de Lula para o STF não tem nada a ver com “diversidade”. Não tem sequer relação com as teses ditas progressistas.
Explico.
Primeiro, precisa ficar claro que em qualquer lugar do mundo, a corte constitucional é, também, um colegiado político. A afirmação é ainda mais verdadeira para a recente história política brasileira, marcada pela profunda politização do poder judiciário e pela consequente judicialização da política.
Isso começou a acontecer de forma mais contundente em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão. Em 2012, veio a ação penal 470. Em 2014, vimos nascer a Operação Lava jato. Todo brasileiro com algum letramento político passou a conhecer os nomes dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal. Tornou-se comum a imagem do juiz estrela, premiado por conglomerados midiáticos, presença constante nas capas das revistas.
Nos tempos da comunicação digital, quando os juízes têm muitos lugares de fala para além dos autos, a judicialização da política é uma realidade que veio pra ficar. É, também, um dos desdobramentos da crise democrática brasileira. Mas não é o único.
Outra consequência estrutural da crise é o enfraquecimento da instituição Presidência da República. Teto de gastos, autonomia do banco central, orçamento secreto. De 2016 para cá, o presidente da República perdeu poder, na exata proporção em que o Congresso Nacional, sobretudo a Câmara dos Deputados, ganhou poder.
Judicialização da política, enfraquecimento da Presidência da República e fortalecimento do Congresso Nacional. Somente no cruzamento desses três dados é possível perceber o plano de Lula para o STF.
A Suprema Corte se tornou estratégica para a governabilidade do presidente da República. É capaz de paralisar o governo ou funcionar como fiel da balança nas disputas com o congresso. Lula entendeu isso perfeitamente.
O leitor e a leitora provavelmente lembram do julgamento do orçamento secreto no pleno do STF, ainda em dezembro do ano passado, dias antes da posse de Lula. Ao declarar a inconstitucionalidade da matéria, a corte garantiu a existência do novo governo. Com Lira controlando o orçamento, Lula não passaria de um fantoche.
Lira é o grande fator de risco para Lula, representando, exatamente, esse Congresso Nacional super empoderado e apetitoso. Nesses oito meses de governo, em diversas ocasiões, Lira veio a público passar seus “recados”, chantagear e ameaçar o presidente da República. Também soube recuar e apoiar pautas de interesse do governo, sempre que se sentiu ameaçado no STF.
Um detalhe que passou relativamente despercebido é fundamental para o argumento. Em 02 de agosto, aconteceu em Brasília uma reunião em que estavam presentes Arthur Lira, Fernando Haddad e Gilmar Mendes. O recado é muito claro. Gilmar, personificando o STF, é a carta na manga do governo.
Arthur Lira está enrolado no STF desde 2020. Ora é declarado réu, ora o processo é arquivado. A espada de Dâmocles está sempre pendurada sobre o seu pescoço, sustentada por fio muito frágil.
Sem um STF alinhado, o presidente da República se torna refém do congresso e, simplesmente, não consegue governar. O "presidencialismo de coalizão" não se faz mais na relação entre um congresso fraco e um executivo forte, tal como era nos tempos em que Sérgio Abranches formulou o conceito. Hoje, a coalizão é, antes de tudo, com o STF, no esforço de equilibrar o jogo com a Câmara dos Deputados.
Na aproximação estratégica com o STF, Lula está tentando reconstruir a Presidência da República. Essa é a prioridade. É essa a lealdade que Lula espera de Zanin e do próximo indicado. Todos os outros temas e critérios são considerados laterais, de menor importância.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.