XENOFOBIA

Zema: neurose obsessiva e divisão do Brasil – Por Glauber Piva

Zema se revela um subalterno perigoso e, contra seu discurso, precisamos conhecer a história

Zema e Bolsonaro.Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Zema inaugurou o mais novo capítulo daquele velho livro no qual a neurose obsessiva antiNordeste grita desafinada. O governador de Minas Gerais parece irritado com a possibilidade de união e reconstrução do Brasil. Parece que está desconfortável com a chance de o país ser menos desigual, incomodado com o “risco” de termos melhor distribuição de renda, de melhorar a educação pública, de dar visibilidade à diversidade cultural, de que se descubra que o Brasil é maior do que ele próprio consegue enxergar.

A tese de Zema indica uma atuação do Sul e Sudeste contra o Norte e o Nordeste. Pior ainda, ele parece nem saber de nosso Centro Oeste. O conteúdo expresso na entrevista não apenas é preocupante como demonstra um grande desconhecimento dos movimentos históricos que resultaram num grave quadro de desigualdades regionais e, também, das razões que levaram à criação dos recentes consórcios de governadores do Nordeste e da Amazônia Legal.

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O discurso de Zema parece reafirmar, pelo caminho contrário, o pensamento de Celso Furtado: ?“num país ainda em formação, como é o Brasil, a predominância da lógica das empresas transnacionais, na ordenação das atividades econômicas, conduzirá quase necessariamente a tensões inter-regionais, à exacerbação de rivalidades corporativas e à formação de bolsões de miséria, tudo apontando para a inviabilização do país como projeto nacional”.

Zema se revela um subalterno perigoso e, contra seu discurso, precisamos conhecer a história. O Brasil do século XX foi comandado pelo avanço da industrialização e pela urbanização intensa. Esse projeto levou à concentração no que hoje chamamos Sudeste e se deu circunscrevendo e reduzindo a visibilidade da rica diversidade regional brasileira, sem dúvida um de nossos maiores ativos estratégicos.

O discurso de Zema parece estar inspirado na luta paulista de 1932. À época, São Paulo não aceitou os movimentos de fortalecimento do governo federal liderado por Getúlio Vargas: queria manter a autonomia política e econômica da província bandeirante. Agora, pela boca do governador mineiro, a mesma tese volta à tona, mas, dessa vez, tentando retomar o estrangulamento do Nordeste.

Lembremos que Zema foi apoiador e eleitor de Bolsonaro. Foi justamente no governo dele que o Bolsa Família, num movimento gravíssimo de perseguição regional, teve aumentado o número de famílias beneficiárias em Santa Catarina e diminuídas as do Nordeste. O que você acha disso?

No século XX, o Nordeste não pôde acompanhar o ritmo acelerado da economia brasileira e perdeu a oportunidade da industrialização substitutiva de importações, e teve reduzido o seu peso na economia nacional. Esse empobrecimento do Nordeste levou a uma redução populacional, inclusive. Lembremos: o isolamento do Nordeste foi um projeto, não dádiva divina.

No século XXI, porém, esta trajetória foi interrompida. A mudança na economia mundial fez com que a industrialização perdesse força como motor da economia nacional, o que abriu a oportunidade de uma (ainda tímida) diversificação econômica do Brasil, com claro impacto regional. É preciso registrar que houve várias iniciativas, em especial de políticas públicas propostas entre 2003 e 2015, ao lado de algumas outras empresariais relevantes, que têm impulsionado a base produtiva nordestina. Como nos lembra Tânia Bacelar, o Nordeste passou, lenta, mas firmemente, a acompanhar de perto e, em muitos momentos, a ultrapassar, a dinâmica da economia nacional.

Quando falo em neurose obsessiva, o faço por conta da maneira maniqueísta e perigosa do discurso de Zema. Ele parece fantasiar um mundo bidimensional no qual o inferno são os outros. Como o antipetismo corre o risco de ficar fora de moda, Zema ensaia um discurso ainda mais perigoso, porque combina elitismo e neofascismo e semeia uma guerra xenófoba contra o Nordeste e o Norte. Já não fossem os movimentos históricos que beneficiaram a economia sudestina, agora Zema diz que o Sudeste “quer o que nunca tivemos – protagonismo político”. Tenha santa paciência... diria o meu pai.

Lilia Schwarcz sugere que fiquemos atentos ao novo bolsonarismo. Ela está correta. A tese de divisão do Brasil só interessa àqueles que querem uma democracia sem povo, um país sem diversidade, a economia retraída, um Cerrado de monoculturas, Caatinga desertificada e um Brasil intolerante.

Zema se anuncia como a vanguarda do atraso - ainda bem que ele começou dando marcha à ré.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.