Quem já assistiu a algum espetáculo do Teatro Oficina nunca mais foi o mesmo. Ninguém, amando ou odiando, passava por aquilo incólume. Desde sempre, Zé Celso e seu grupo, viraram do avesso o teatro brasileiro. O espectador, atônito, não conseguia decidir se o que via era teatro, um show de rock, performance ou tudo ao mesmo tempo.
Cresci assombrado com sua direção – que nunca assisti – do espetáculo “Roda Viva”, de Chico Buarque. Os relatos, em plena ditadura, eram de uma ousadia sem precedentes com, entre outras coisas, pedaços de carne e respingos de sangue atirados no público.
Te podría interesar
O próprio Chico chegou a dizer que o que levou à reação desmedida da direita e da ditadura contra a peça foi, sobretudo, a direção do Zé. Seu texto, declarou modestamente o compositor, não trazia nada de tão ofensivo, segundo ele.
Em um fato histórico tão triste quanto inesquecível e revoltante, militantes do grupo paramilitar Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, em 1968, durante a segunda montagem do espetáculo, espancaram os artistas e depredaram o cenário.
Te podría interesar
Desde então, Zé Celso sempre esteve do lado certo da história. Em plena Operação Lava Jato, num teatro lotado em Brasília, em um momento em que até as pedras do calçamento da capital estavam contra a presidente Dilma Rousseff e seu governo, com extrema coragem, ele usou máscaras ridicularizando os então personagens fatídicos que vieram a promover o golpe, reforma trabalhista, a consequente eleição do inominável e o Brasil ladeira abaixo. Não cito os nomes em respeito à memória do diretor.
Hoje, a canalha do lado de lá tem motivos de sobra pra comemorar. Partiu um dos mais corajosos e bravos artistas do lado de cá. Sujeito raro e brilhante, Zé Celso soube unir como poucos o saber artístico ao pensamento político. Nunca foi apenas panfletário ou única e tão somente diretor. Nunca separou as coisas. Nele estava tudo junto e misturado, incluindo aí a sexualidade em alta combustão.
Seus atores cagavam e se masturbavam em público, agarravam pessoas da plateia, tiravam suas roupas e as do público – deixaram Caetano Veloso nu em pelo durante apresentação do espetáculo “As Bacantes”, em São Paulo, no final da década de 90.
Desde a década de 1980, o diretor vinha lutando contra o Grupo Silvio Santos, que deseja construir um complexo comercial no terreno ao lado do Teatro Oficina. Zé Celso defendia que o terreno deveria ser usado como uma extensão do teatro, para criação de um parque cultural.
Zé Celso foi o desespero do cidadão de bem, que agora deve rezar para que sua alma descanse em paz e não deixe vestígios. Puro e ledo engano. Zé Celso está por aí, multiplicado em todos os cantos de São Paulo, do Brasil e do mundo.
Seu último grande ato, o casamento, aos 86 anos, com o ator Marcelo Drummond, amor da vida inteira, foi de uma alegria comovente. Drummond, em piada fulminante, talvez tenha definido o espírito libertário e anárquico de Zé Celso e seu entorno: “Casamos para ter amantes”.