Parece precoce falar desde já de uma eleição que só vai acontecer em outubro do ano que vem. Mas já tem muita especulação, gente se mexendo, e quero meter minha colher também. E vou especular sobre uma questão que está além do poder municipal.
Ando pensando numa coisa trágica que vai sendo tratada como “normal” em São Paulo, e acredito que em outras cidades brasileiras ocorram coisas semelhantes.
Como pode esta cidade rica, a maior e mais rica do Hemisfério Sul, ter um centro em que as pessoas comuns têm medo de ir, porque podem ser assaltadas com violência? E quem se arrisca a ir muitas vezes se ferra, confirmando que tinha razão de ter medo! São Paulo está assim. Nem estou falando de turistas, mas de moradores, embora deva-se pensar em turistas também. Se recuperado, o centro paulistano é bonito. Mas quem mora lá tem medo de pôr a cara na rua, a qualquer hora do dia.
Não tenho a pretensão de voltar a um tempo em que flanar pelo centro de madrugada era algo comum, praticamente sem risco. Lá por 1967, morando na avenida 9 de Julho, tinha insônia e muitas noites saía para andar pelo centro vazio, sem a menor preocupação. Sim, não tinha grana, então qualquer “ladrão” veria pela minha própria roupa que não valia a pena me assaltar (hoje assaltariam até pra tomar os sapatos).
Já em 1969, com o fechamento do Crusp (Conjunto Residencial da USP, em que eu morava, tomado pelos militares e pela polícia em dezembro de 1968), depois de uns tempos morando em Santos (e trabalhando em São Paulo), com o recomeço das aulas, voltei para o centro, fui morar numa república de operários, na rua Francisca Miquelina, perto das avenidas Maria Paula e Brigadeiro Luís Antônio. Como minha roupa e meus livros tinham sido roubados pelo exército e pela polícia, não podia gastar comprando cama. Tinha que repor minhas roupas, parar de usar as do irmão que morava em Santos, e precisava de parte dos livros que não eram “só” literatura, faziam parte das leituras necessárias na faculdade.
Então, tinha que dormir em camas de colegas. Um operário trabalhava na Volks e chegava às 3h30 da manhã. Outro trabalhava na Bombril e tinha que se levantar às 4h30. Dormia na cama do operário da Volks até às 3h30 e levantava quando ele chegava. Aí saía pra caminhar pelas ruas vazias do centro, indo até as ruas Direita, São Bento... Quando vinha alguém do outro lado, pensava: “Oba, que bom! Alguém pra conversar”. Hoje se acontecesse isso, cada um correria pra um lado, com medo do outro. Às 4h30 voltava para a república, para dormir na cama do operário da Bombril até a hora de me levantar. De sábado pra domingo, dormia num cobertor no chão ou ia pra Santos, pro apartamento do meu irmão.
Mais tarde voltei a morar na 9 de Julho, ia a bares às vezes não muito próximos, voltava de madrugada, sempre a pé. Isso durou mais uns anos.
Não tenho a menor esperança de que volte a ser assim (nem a minha dureza nem a segurança de flanar pelo centro de madrugada sem medo). Mas gostaria de ter o direito de caminhar por lá, despreocupado, sozinho ou em grupo, pelo menos durante o dia e até uma certa hora da noite.
Como pode um morador de São Paulo não ter o “direito” de ir ao centro da cidade? E os moradores do centro, então! Que horror morar num lugar com medo de sair de casa de manhã e pavor de voltar à noite!
Então, é isso. Acho que os candidatos a prefeito deveriam ser obrigados a assumir um compromisso: já no meio do seu mandato será obrigado a caminhar, entre outras áreas, por onde hoje é a cracolândia, sozinho e sem segurança, durante o dia e pelo menos no início da noite. Uma vez por semana, no mínimo, teria que fazer isso até o fim do mandato. E não vale transferir a cracolândia pra outro lugar. Aliás, a caminhada semanal deveria se estender a outros lugares. Ah, caminhar telefonando, com o celular bem visível... Isso em qualquer lugar da cidade. Pra falar a verdade, em poucos lugares de São Paulo os moradores têm coragem de dar uma volta a pé no quarteirão em que moram, à noite.
Se não souber como resolver o problema da cracolândia, pelo menos, que nem se candidate. Todas as políticas públicas para ela até hoje deram com os burros n’água. Não é aceitável uma política direitista de tascar polícia em cima dos “nóias”, como são chamados pejorativamente, acabar com eles. Mas também não acho válidas políticas ditas (será que apropriadamente?) “de esquerda” que, diante de assaltos e violências a gente tenha que se conformar: “Eles são vítimas, não podem ser punidos”. Sim. São vítimas, concordo. Então, que se resolva os problemas deles, sem lhes dar o direito de assaltar todo mundo. Não podem ser internados contra a vontade? Nem há lugar onde sejam internados e tratados com dignidade até se recuperarem.
O que fazer? Se soubesse me candidataria a prefeito. Mas não sei. E quem não souber, que não se candidate.
Ah... pretendo votar no Boulos e espero que ele apresente um plano para resolver isso. E execute. Que os moradores de São Paulo e visitantes flanem pelo centro da cidade, despreocupados...
E o governador?
Sim, ele também tem que ser incluído nisso. O atual falou em transferir a cracolândia para outro lugar, isso não é solução. O medo dos moradores, dos comerciantes e seus empregados, e dos frequentadores sairia de um lugar e iria para outro, só isso. E os dependentes do crack e outras drogas pesadas continuariam na mesma. Aliás, eu me lembro quando a cracolândia era ainda pequena, lá pelos anos 1990, e ocupava a praça Júlio Mesquita, mas os moradores do entorno da pracinha já não podiam chegar à noite em casa. Eram assaltados. Ouvi no rádio uma entrevista com o então secretário da Segurança Pública do Estado, em que ele, questionado, respondeu: “A população também não colabora. Ora... Todo mundo sabe que o local é perigoso, por que continuam indo lá?”. Interessante: em vez de policiar o local, o responsável pela segurança culpava os assaltados, por irem lá. Como ficam os moradores?
Pergunto também: e essas gangues “da pedrada” que ficam perto de semáforos, e quando eles fecham, quebram vidros dos carros e assaltam bolsas e celulares? Vão continuar assim, numa boa?
Essa questão da segurança, é muito importante, mas tem muitas outras, especialmente para os governadores (epa!, já tô pensando nas eleições de 2026?).
Tem, por exemplo, que despoluir os rios, de verdade. Deveria, para se candidatar, ser obrigado a assumir um compromisso: antes de terminar o mandato, ir acompanhado pela imprensa às margens dos rios Pinheiros e Tietê e, solenemente, enfiar uma caneca no rio, encher d’água e beber.
Se não cumpriu o que prometeu e pegar uma doença braba, azar dele. Teria que ir forçado e beber aquele líquido.
Já despejaram muita grana na “despoluição” desses rios, e o que aconteceu? Só no governo Quércia, o governo japonês deu 500 milhões de dólares (que valiam muito mais do que hoje) para a despoluição. Os rios continuaram iguais, mas o dinheiro, ninguém sabe, ninguém viu... Ou melhor, nós não sabemos nem vimos. Alguns souberam dar a ele um destino tão sujo quanto o aquilo que corre pelos nossos rios e córregos.
Lembro que quando era criança amigos que vinham a São Paulo com os pais voltavam contando das provas de natação e canoagem no rio Tietê. E no início dos anos 1960 ainda havia quem pescasse no rio Pinheiros.
Será que veremos isso acontecer de novo? Se não virmos, gostaria de ver uns políticos internados com problemas graves de saúde depois de serem obrigados a beberem água do Tietê e do Pinheiros.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum