REFLEXÕES

O cretinismo midiático acerca da liberdade de expressão – Por Raphael Fagundes

O sonho de qualquer empresário é o monopólio. Desta maneira, é óbvio concluir que o objetivo das corporações Globo é o monopólio do saber, jamais a liberdade de expressão

Redação da TV Globo.Créditos: Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

A principal crítica às ditaduras é o controle da liberdade de expressão pelo poder político. Mas será que é apenas o poder político que é capaz de controlar a liberdade de expressão?

A forma mais comum (e permitida) de controle das informações (que entramos aqui como a expressão transformada em produto) é através do poder econômico. E é simples de compreender: a informação é uma mercadoria. Por isso que os estudos sobre a economia política da comunicação agigantam-se no Brasil.

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A crítica do controle sobre as manifestações vem dos iluministas. O monarca representava, de fato, o poder político. Era o Estado absolutista. A burguesia, que se apoderava do poder econômico, criticava as restrições inerentes à tradição absolutista. Para falar era preciso ser branco, cristão, nobre etc.

A burguesia vai encontrando novos espaços para se expressar. Longe dos salões da nobreza, ela cria uma nova esfera pública onde as ideias que legitimavam sua posição de classe, como algo novo e revolucionário, circulavam por meio da arte, jornais, panfletos, nos debates boêmios etc.

Quando a burguesia assumiu o controle político, os interesses econômicos se colocaram na frente e o Estado passou a ser apenas um gestor desses interesses. Daí o fato da economia política ser a ciência mais importante para Karl Marx.

A liberdade de expressão passou a estar submetida, como qualquer outro elemento da sociedade capitalista, aos interesses econômicos. Um exemplo interessante que podemos citar é a cobertura da Globo na greve dos trabalhadores da refinaria de Paulínia (SP), de 1983. Um jornalista confessou: “Procuro encaixar a cobertura nos padrões que conheço da empresa. Sei que se fizer uma matéria que vai incomodar, acabarei não cobrindo coisa alguma".[1]

Nos anos 1990, as Organizações Globo "atuaram ao lado das associações empresariais na construção de um consenso em torno dos valores neoliberais". Apoiaram as políticas de privatização e investiram ideologicamente no projeto neoliberal por meio de seu jornalismo crítico ao Estado. Focalizou na privatização do Sistema Telebrás, pois daria à corporação "novas oportunidades de negócios".[2]

De acordo com João Braga Arêas, a Globo tem ojeriza a Maduro porque este vem enfrentando os conglomerados midiáticos de seu país "em nome da democratização dos meios de comunicação".[3]

O poder que a Globo tem de interferir no Estado (da ditadura civil-militar aos dias atuais), escolhendo ministros, definindo o modelo econômico do país etc, teria um fim caso houvesse uma maior liberdade de expressão. Ela até defende o direito de todos terem voz, mas somente através de seus canais.

As corporações Globo assumem o papel de mediadora da sociedade, tanto em termos locais quanto nacionais. O que permite a elas manipular a indignação. Em termos nacionais podemos dizer que a Globo foi a mentora do lavajatismo que, por tabela, promoveu a ascensão da extrema direita. Em termos locais, a empresa destaca os problemas sociais em seus programas. Jornalistas são acionados para resolver demandas pontuais, como uma espécie de reparação ao estrago que, segundo a própria imprensa corporativa, é culpa das autoridades.

Uma indignação que conteste a estrutura econômica, a raiz dos problemas sociais, não tem voz nos veículos de imprensa administrados pelas Organizações Globo. Porque não enche os cofres da empresa. Pelo contrário, poderia acabar com o monopólio da própria Globo. Parece-me evidente que a liberdade de expressão varia de acordo com quem fala, sobre o quê e para quem se fala.

Sendo assim, a expressão está submetida aos interesses econômicos dos veículos de comunicação de maior circulação, que, no caso brasileiro, é a Globo. A expressão, que para a imprensa só vale enquanto informação, não tem mais valor de uso, apenas valor de troca, já que o propósito é vender informação para se produzir mais informação, sem objetivo social, mas apenas para a manutenção de uma estrutura que fomente ainda mais a venda de informação.

Portanto, nunca houve liberdade de expressão, pois quando a expressão estava submissa aos tiranos não havia liberdade, e quando os tiranos sucumbiram, os tubarões da economia assumiram o seu controle.

A liberdade de expressão é uma utopia liberal. Marx e Engels dizem que a liberdade de consciência, na sociedade capitalista, é "apenas a expressão do domínio da livre concorrência no campo do saber". Contudo, o sonho de qualquer empresário é o monopólio. Desta maneira, é óbvio concluir que o objetivo das corporações Globo é o monopólio do saber, jamais a liberdade de expressão.

 

[1] ARÊAS, J. B. Os Marinho: o monopólio brasileiro do setor de comunicação. CAMPOS, P. H. e BRANDÃO, R. Os donos do capital. Rio de Janeiro: Autografia, 2017, p. 218.

[2] Idem, p. 222.

[3] Idem, p. 225.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.