O padre Kelmon ganhou notoriedade durante as últimas eleições quando assumiu a candidatura de seu partido, o PTB, à presidência da República, no lugar do pistoleiro inelegível Roberto Jefferson. Com uma fantasia absolutamente exagerada e um discurso antipetista herdado do imaginário da Guerra Fria, logo virou meme. “Padre de Festa Junina”, “falso padre”, “cascateiro”, “padre Kelson”, e assim por diante, foi como o público começou a se referir ao político.
Ele afirma ser sacerdote ortodoxo, mas não é considerado padre por nenhum ramo da Igreja Ortodoxa, que à época se manifestou informando que ele não era parte dos quadros dessas organizações coirmãs. A Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia no Brasil, maior denominação do gênero no país, chegou a emitir nota esclarecendo que o então candidato de extrema direita jamais foi ordenado ou fez parte do seu clero e das igrejas Copta Ortodoxa de Alexandria, Apostólica Armênia, Síria Ortodoxa Malankara, Ortodoxa Etíope e Ortodoxa Eritreia.
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Como resposta, Kelman enviou um vídeo de um homem chamado Ángel Ernesto Morán Vidal, que seria “bispo” da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru, segundo eles “autocéfala”, ou seja, não subordinada ou vinculada às igrejas católicas ortodoxas oficiais existentes no mundo. Mas a própria igreja peruana o desligou de seus quadros em dezembro de 2022.
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Em 2010, no período da eleição presidencial, a Polícia Federal apreendeu 20 milhões de panfletos apócrifos que insultavam e atacavam a então candidata Dilma Rousseff (PT), que se tornaria presidenta. O material, retido numa gráfica, foi feito a pedido de Kelmon, que falou com a empresa em nome da Diocese de Guarulhos, da Igreja Católica Apostólica Romana, que à época era comandada nessa região pelo bispo Luiz Gonzaga Bergonzini, um notório detrator da petista e que pediu para que fiéis não votasse nela. Os impressos usavam, sem autorização, o emblema da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a instância máxima da Igreja Católica no país.
Já em outubro de 2020, uma “igreja” feita de bambu para que Kelmon “celebrasse missas” na comunidade quilombola de Bananeiras, que fica na Ilha da Maré, em Salvador (BA), foi destruída pela pequena população local. Segundo o atual candidato do PTB, a estrutura era provisória, enquanto a “igreja” definitiva não era construída. O suposto clérigo correu para dizer que aquilo era um episódio de intolerância religiosa. Mas para a comunidade o problema foi a instalação do tal templo, edificado num trecho da ilha usado por pescadores e como ponto de lazer, encontro e reunião de quem vive no local, segundo uma reportagem da imprensa local. Para piorar, o Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC) informou que não existia qualquer previsão legal ou projeto para que um lugar de culto fosse construído naquele terreno.
A nova cascata
Dessa vez, revoltadíssimo com a realização do Foro de São Paulo, o ex-candidato anunciou nesta quinta-feira (29), em plena Câmara dos Deputados, a criação de um “Foro de Festa Junina” para chamar de seu. Chama-se “Foro do Brasil”, que se dedicaria a combater os grandes pavores da extrema-direita: a ideologia de gênero, a legalização do aborto e a descriminalização das drogas.
Segundo Kelmon políticos e entidades evangélicas, católicas e ortodóxas estariam compondo a nova cascata, "contra as ações maléficas do comunismo".
“Com um estatuto social de 32 páginas, o Foro do Brasil representa os valores da cultura judaico-cristã, o estado mínimo, direitos individuais [claro que os das mulheres e LGBTs não estão inclusos], livre expressão de propriedade, direito ao porte de armas para pessoal e da propriedade [uma pauta realmente muito cristã - há ironia no comentário], o livre mercado [verdadeiro Deus cultuado pela seita] e a economia liberal”, diz o mestre de cerimônia do evento que marcou a fundação do suposto grupo.
Parlamentares conservadores como o senador Magno Malta (PL-ES) e o deputado Eli Borges (PL-TO) compareceram ao evento. Já Carla Zambelli (PL-SP) só deu uma forcinha moral – confirmou sua presença mas não deu as caras.
Em sua nova empreitada, Padre Kelmon confirma o óbvio: o fato de que é uma tremenda caricatura do bolsonarismo. Um religioso absolutamente desaprovado tanto pela igreja com a qual diz trabalhar, como pelos fiéis da comunidade onde não soube entrar. Um candidato de última hora que substituía um Roberto Jefferson completamente fora de lugar. Um político que se apoia em teorias conspiratórias como meio de se promover. Um dinossauro anticomunista dos anos 70 que insiste eu não virar peça de museu. Padre Kelmon não é absolutamente nada. Apenas cascata atrás de cascata.
Lembra muito o chefe da quadrilha. Um político, que passou 30 anos no Congresso enriquecendo com esquemas de rachadinha e incluindo os filhos na mamata, mas que se vendeu como uma figura antissistema. Uma figura antissistema que ao menor indício de uma visita da Polícia Federal começa a chorar e balbuciar diante das câmeras aos seus seguidores. Um palmeirense que veste camisas de Corinthians, São Paulo e Santos. Um flamenguista que se veste com os mantos de Fluminense, Vasco e Botafogo. Um militar expulso do Exército por tentar instalar uma bomba em um quartel. Liberal, saudoso da ditadura, neofascista, olavista, arruaceiro, canibal, corrupto, vagabundo, qualquer coisa.
Bolsonaro não é sequer um político inelegível. Ainda.
Atualização: 14 horas após a publicação deste artigo, Bolsonaro finalmente é um político inelegível.