Luís
Luís se considera um cara de sorte. Pelo menos com as mulheres. Não tem do que reclamar. Aliás, a coisa parece só ir num melhorando para ele. As duas últimas então, sensacionais! Lili, uma cabeleireira, literalmente fez sua cabeça. Além de cortar seu cabelo ela era uma companheira para todas as horas. Alegre, comunicativa, topava tudo. Conversava, bebia, transava bem, era perfeita. Fazia uma massagem em seu rosto usando produtos que tinha no salão que deixavam sua cara lisinha como a de um bebê. Não se lembra quantas vezes a presenteou com sua dupla favorita, que sempre fez questão de ofertar às mulheres: bombons e flores.
Mas a vida é um mistério. De repente, sem saber o porquê, Luís, quando percebeu, estava irremediavelmente interessado em Laura.
Laura é muito louca. Talvez tenha sido isso. Intensa: seria uma qualificação perfeita para ela. Com Laura não tem meio termo — tudo ou nada. É assim a vida para ela. Entrou na vida de Luís metendo o pé na porta, com tudo. Possessiva ao extremo. Ciumenta em grau máximo.
Luís não pode negar que o ciúme foi um dos motivos que o fizeram se interessar por ela, já que Lili não tinha ciúme algum, sempre concentrada no trabalho no salão, e quando estava com ele não procurava saber o que teria ou não acontecido no espaço entre o último encontro e o atual — a menos que ele quisesse contar. A vida dele era dele, a dela era dela, e assim tudo estava bem para Lili, sempre o bom humor em pessoa.
Já Laura não. Tem ciúme de tudo, briga o tempo inteiro para saber onde Luís estava e com quem. Pior: tem um ciúme doentio de Lili. Botou na cabeça que Luís não a esqueceu e vive tentando flagrar uma pseudo traição.
Com o tempo, de tanto Laura falar em Lili, o antigo amor que sentia pela cabeleireira pareceu novamente ocupar espaço no coração de Luís. Ele começou a ter saudades daquele relacionamento alegre e festivo que tinha com ela, tão diferente do possessivo e intenso caso de amor com Laura.
Só não sabia como criar a oportunidade de falar com ela, que talvez estivesse muito magoada por tê-la trocado por Laura.
Laura
Quando conheceu Luís foi amor à primeira vista. Logo no segundo encontro ele chegou com uma caixa de bombons e um buquê de rosas vermelhas. Laura o achou lindo, com a pele muito bem tratada, o cabelo bem cortado, sem desconfiar que quem cuidava daquela pele e daquele cabelo era Lili, namorada dele na época.
Durante muito tempo, Luís e Laura se encontravam sem que ela soubesse da vida dupla que ele levava com o Lili. Quando descobriu, fez um escândalo, ameaçou se matar — a menos que Luís nunca mais encontrasse nem mesmo falasse no nome de Lili, ainda que isso prejudicasse sua pele e seu cabelo, já que ela era excelente cabeleireira, isso Laura nunca deixou de reconhecer.
De início, achou que tudo estava no lugar, que ele não estava se encontrando mais com Lili, tinha tirado o número do telefone dela do celular — como Laura exigiu, junto com a retirada também de todas as suas redes sociais.
Mas a mentira original deixou sequelas, e a insegurança que sempre acompanhou Laura desde criança foi crescendo como uma onda, o ciúme que tinha aumentava a cada dia e dava nela a certeza de que mais dia menos dia Luís iria voltar para Lili. Aliás, lá no fundo, bem no fundo, tinha uma desconfiança de que eles ainda se encontravam em segredo, embora ele jurasse que não.
Laura decidiu que não podia mais viver com aquela incerteza e bolou um plano. Comprou uma caixa de bombons e um buquê de rosas iguais aos que Luís a presenteava. Mandou entregá-las a Lili no salão, sem cartão que identificasse o remetente. Se ela aceitasse os presentes seria a prova da traição, e o fim.
Lili
No dia de seu aniversário, Lili estava feliz, como costumava ser. Cumprimentada pelas colegas de trabalho e clientes, curtia os parabéns e presentes que recebia. Mas sentia que faltava algo, que ela não sabia identificar o que era, mas desconfiava.
Até que um portador entregou caixa de bombons com as flores. Exatamente como Luís fazia. Procurou o remetente. Não tinha. O entregador disse que apenas recolhia a mercadoria pelo aplicativo e a entregava ao destinatário.
Será de Luís? Ele sabe que ela adora esses bombons e que rosas vermelhas são suas flores preferidas.
As colegas a convenceram a ligar para ele.
Luís
Quando recebeu a ligação de Lili, Luís pensou imediatamente que aquilo só podia ser um chamado do destino. Pensara nela o dia inteiro. Sabia que era seu aniversário. Gostaria de encontrá-la. Por isso, quando ela lhe falou dos bombons e das flores ele não teve dúvidas, abraçou o destino com força e disse que sim, que havia mandado os bombons e as flores e que sentia muita falta dela.
No outro dia, os telejornais deram destaque à notícia de que uma cabeleireira teria morrido após ingerir bombons envenenados de uma caixa que recebeu de presente de aniversário.
Laura teve certeza de que Luís e Lili tinham um caso.
O amor tem dessas coisas.
*Antonio Mello é escritor, blogueiro do Blog do Mello, autor do romance ELA (linktr.ee/blogdomello) publica uma crônica todo domingo aqui na Fórum
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