VERDADE, MEMÓRIA, JUSTIÇA

Ditabranda uma pinóia

Presidente da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Defesa da Democracia da OAB-CE relembra tragédias da ditadura militar

Créditos: Raphael Sanz
Escrito en OPINIÃO el

Em 2014, a Comissão da Verdade apontou 423 execuções ou desaparecimentos forçados durante a ditadura de 1964. Os números em centenas alimentam uma retórica desonesta de que a violência no Brasil não foi demasiadamente brutal. Ora, a própria Comissão reconhece ter se limitado a casos comprovados. Ainda assim, estima que mais de 8 mil indígenas caíram em conflitos territoriais e outras situações. Vulneráveis urbanos e camponeses sequer têm estatísticas.

Fato concreto é que a ditadura foi diabólica em seus métodos repressivos, que iniciavam com sequestro, incomunicabilidade e impedimento a qualquer meio de defesa, somando-se a toda sorte de torturas: afogamento, telefone, pau de arara, cadeira do dragão e até coroa de Cristo, com a vítima, via de regra, nua, encapuzada, exposta a palavrões, bofetadas, extirpação de unhas, dentes, cabelos arrancados e choques elétricos nas partes mais sensíveis do corpo - língua, lábios, orelhas, solas do pé, mamilos e, por uma obsessão sexual particular, vagina, pênis e ânus. Perversidade exportada como vanguarda para todo Cone Sul.

Um torturado ficava dias esfolado no chão de um cubículo imundo, alimentando-se de mínima ração, sem saber se sua família estava sendo preservada ou martirizada. Em dadas situações, crianças eram levadas a assistir à tortura dos pais. Sabendo-se criminosos, verdugos escondiam-se atrás de apelidos: no DOI-CODI, Ustra era o Major Tibiriçá; na Casa da Morte, os coronéis Magalhães e Etchegoyen eram os doutores Pablo e Bruno. 

A rede transpunha os porões fétidos de vômito, sangue e suor e incluía médicos que ressuscitavam semimortos para retorno à pancadaria ou laudavam óbitos por sevícias e execuções sumárias como falsos suicídios e acidentes. Tudo sob comando militar e com a cumplicidade da Justiça da caserna. Multidões foram expulsas de escolas e universidades, demitidas de empregos, tolhidas de conseguir ofícios e impelidas à clandestinidade no país ou ao exílio. 

Essa foi a ditadura, o regime que reuniu o disparate da censura com a perversidade das mais nefastas violações ao ser humano. Assunto que estaria no passado se houvesse ocorrido um consenso social acompanhado de punição de criminosos e reformas institucionais que eliminassem os riscos de retrocesso. Como não houve, é necessário seguir denunciando o que alguns recusam ouvir, mas a maioria precisa escutar.

Marcelo Uchôa

Conselheiro da Comissão de Anistia. Professor de Direito da UNIFOR. Presidente da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Defesa da Democracia da OAB-CE. Membro da ABJD e Grupo Prerrogativas. @MarceloUchoa_

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