LUTO

Morre Andre Pomba: SP perde um ícone cultural

DJ, produtor cultural, ativista LGBTI, gestor público, roqueiro, artista Pomba deixa uma lacuna na cena e um baita legado.

André Pomba.Créditos: Instagram / @pauloneobeck
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Vou praguejar, sim. Essa porcaria de câncer levou cedo demais meu DJ favorito -  que ainda haveria de muito agitar por aqui – o ursinho tinha uma energia de tirar o fôlego. Disclamer: esse pequeno resgate da “vida e obra” de Andre Cagni não poderia ser mais parcial (o autor era seu amigo e fã).

Falar de Pomba é impossível, obviamente sem contar um pouco sobre A LÔCA, boate GLS (e tudo o mais, bem antes de virar modinha) espaço icônico e quase lendário de São Paulo.  A casa da Frei Caneca foi o centro da cultura   underground, da música eletrônica, das vanguardas culturais, das LGBTI+, de tudo que se possa imaginar e mais ou pouco desde o final dos anos 1990. Em seu auge, A LÔCA   superava quase todos lugares similares da Europa e dos EUA, em todos aspectos.

Claro que funcionando ininterruptamente há um quarto de século a boate teve altos e baixos. Milhares de gentes queer adentraram naquele templo escuro e barulhento. Pouca gente deve lembrar, mas em setembro de 200, a então candidata a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy foi à boate – algo fantástico (vocês imaginam alguns políticos progressista hoje chegando quase às 24h numa boate GLS vanguardoide, com gente loka de todo tipo)? A propósito: que saudades daquele Marta – foi abduzida.

Pomba era uma das caras do projeto A LOKA- o dono dos domingos. Criou o GRINDR, ideia originalíssima. Como que inspirado nas antigas matinês - aos domingos o som começava umas 19h, ou até antes – André criou a atmosfera certa para as domingueiras. Rock e pop. Cindy Lauper, Madonna, A-ha, Guns and Roses, Michael Jackson, Nirvana, REM, tudo de melhor dos anos 70, 80 e 90. Um delírio para as menos jovens.

Pomba era fanzineiro -  editava o Grind Zine, cujo quadragésimo sétimo número foi publicado mês passado. Imaginem isso:  um fanzine em pleno ano da graça de 2023!

Pomba era roqueiro e baixista da banda Vodu. Eclético na discotecagem ele gostava de tocar rock and roll, ou melhor:  heavy metal

Ativista ambiental, cultural e urbanista o DJ militou contra a especulação imobiliária, em defesa da memória e do patrimônio cultural da Rua Augusta.  Dedicou-se também à luta pela criação do Parque Augusta (vitória!) -  nova maravilha paulistana, conquista civilizatória.

Politizado, Pomba não fugia da luta política-eleitoral-partidária e nem de desafios, como, por exemplo, assumir tarefas na gestão pública municipal. Um dos Centros de Cidadania que eu criei quando fui coordenador das políticas LGBT do governo Haddad foi dirigido por Pomba – o da zona norte: Centro Luana Barbosa dos Reis.

Quadro orgânico do Partido Verde Andre Pomba foi coordenador do PV Diversidade. Candidatou-se a deputado federal em 2014 e a vereador na capital paulista em 2016. Defendeu lúcida e abertamente, em sua campanha à Câmara Federal, tanto a regulamentação das drogas como a descriminalização do aborto.

Em poucas palavras: André Cagni era um sujeito do bem. Nunca perguntei se meu amigo era ateu ou se tinha alguma crença metafísica- mera curiosidade irrelevante de um materialista empedernido. De qualquer forma, proclamo sem hesitação: Pomba vai deixar saudades.

Quem irá de tocar aqueles set lists ecléticos, dançantes, atemporais? Quem vai cuidar da Rua Augusta, do Parque Augusta, da nossa noite tão diversa e vanguardista?

“Girls just wanna have fun” (essa era uma daquelas que ele sempre rodava para nós enlouquecermos na pista).  Quem não quer, no fundo, no fundo só mesmo se divertir –  e   gozar no final?  

Valeu, Pomba!