É sabido que Pero Vaz Caminha, em sua carta ao rei de Portugal informando o “descobrimento” de terras pelas caravelas chefiadas por Pedro Álvares Cabral, aproveita o ensejo e pede a sua majestade uma “colocação” para um parente desempregado.
É como se este espaço que depois se tornaria o Brasil já nascesse com a marca do “jeitinho”.
Ao longo dos tempos, a música popular explorou exaustivamente este tema, seja na sua vertente mais comercial, seja de maneira informal em sambas e marchas cantadas no carnaval.
Em 1989, o bloco Suvaco de Cristo carioca desfilou com um samba antológico, de Lenine e Bráulio Tavares, que tratava do tema. Ele dizia assim:
“República dos vira-latas / Das concordatas /Do economês
República do golpe baixo / E muito escracho / Bem nos cachos de vocês
República do deixa disso / E lá no banco suíço /A grana engordou”
Aliás já na sua origem o bloco foi envolvido numa encrenca só resolvida com um jeitinho. Como desfila no bairro do Jardim Botânico, embaixo dos braços do Redentor, recebeu o nome de Suvaco do Cristo. Mas isso desagradou a Arquidiocese do Rio de Janeiro, que considerou o nome desrespeitoso e ameaçou recorrer à polícia e à Justiça para proibi-lo. Afinal, suvaco pareceu às autoridades religiosas uma parte menos nobre do corpo e associá-la a Cristo seria uma afronta à Igreja. Depois de negociações, a agremiação carnavalesca cedeu, aceitando retirar Cristo de seu nome. Oficialmente passou a se chamar apenas Suvaco.
Problema resolvido, mas só no faz de conta. O bloco continuou a ser conhecido como Suvaco de Cristo.
Em governos como o de Bolsonaro, as características de república dos vira-latas ganharam corpo. Os exemplos se acumularam e o último deles a ser descoberto (tenho ciência de que é um risco usar a palavra “último”, porque logo pode surgir um novo) é a tentativa de contrabandear um mimo do sanguinário ditador da Arábia Saudita à então primeira dama Michelle, aquela mesma que recebia cheques do faz-tudo Queiroz em sua conta particular.
As mais variadas versões para explicar o verdadeiro batom na cueca foram apresentadas por Bolsonaro, por Michele, por um dublê de almirante e ministro e por seus auxiliares – aí incluído um militar mandado num jatinho da FAB de Brasília ao aeroporto de Guarulhos com a missão de recuperar as joias contrabandeadas, avaliadas em mais de R$ 16 milhões, retidas por funcionários da Receita Federal em cumprimento de determinações legais.
Nunca como no governo Bolsonaro a república dos vira-latas foi tão república dos vira-latas. Nunca a Presidência da República e as Forças Armadas – instituições que deveriam ser respeitadas – foram tão achincalhadas. Aeronaves da FAB a serviço do presidente foram usadas para tenebrosas transações: desde tráfico internacional de drogas até contrabando de joias. Não à toa, na versão Bolsonaro desta república dos vira-latas em que vivemos multiplicaram-se piadas como a que bombou nas redes sociais nos últimos dias:
“Diálogo num avião da FAB: / Tudo joia? / Não. Parte é cocaína.”
**Este artigo não não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.