Fiz minha graduação em Ciências Sociais e, como acontece com muitos dos meus colegas, é na sala de aula da escola que a formação do professor é colocada à prova. Tive minha primeira experiência como professor de sociologia em uma escola pública em Taboão da Serra na Grande São Paulo. Ali lecionava para turmas de Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Apesar de ser uma cidade-dormitório com pouca perspectiva de trabalho, notava em meu cotidiano e também ouvia de meus alunos em conversas em aulas que aquela era mais uma etapa em seus planos de vida, conseguir um diploma e com ele auxiliar no sustento da família.
Quando lhes perguntava sobre seu futuro trabalho, normalmente, me respondiam que em seus planos auxiliariam em algum comércio da família e muito raramente havia a perspectiva de tentar emprego na capital ou fazer uma universidade. Era um futuro bem próximo e com objetivos bem materiais. Isso foi nos idos de 2012 e 2013, durante esse período minha carreira escolar era movida pela preocupação com esses jovens. A esta altura do texto talvez esteja pensando que vou falar na Deforma do Ensino Médio, certo? Apesar de ser relevante e urgente, esta pauta é muito importante, assim como a construção de nossa educação, mas o foco aqui é outro: falar do futuro que começa no presente. Sou um daqueles ligados ao presenteísmo. Vou falar em futuro, mas vou focar num ponto que mais me interessa e espero que a você também. Falo aqui da falta da discussão de gênero e sexualidade na escola, algo que gera medo na sociedade e esse medo ronda quando se fala de inserir essa discussão na escola.
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Antes de chegar à sala de aula em si, acho que é preciso retroceder a outro local: a sala de professores. Falo aqui de minha experiência localizada e sei que apesar do risco de generalização a partir da minha fala, este texto fala sobre meu vivenciar daqueles tempos. Naquela época já havia 10 anos do ano 2000 e o contato mais próximo que tive com temáticas relacionadas a genero e sexualidade foi a partir de relatos sobre a homofobia que meus colegas de mestrado sofriam e comentavam em nossas conversas. O racismo já era um velho conhecido e já havia se apresentado na sala de professores/as e em minha família, apesar disso esse tema nunca havia sido discutido com a seriedade necessária, sendo constantemente abafado. Isso infelizmente acontecia porque o número de professores brancos naquele lugar era maior que o de professores/as negros e tenho minhas dúvidas se naquela escola isso mudou, a desigualdade racial sempre foi presente ali.
Depois dessa divagação, posso voltar à homofobia e dizer que esse era um mundo novo que se abria, já que ainda estava em uma igreja evangélica aonde esse assunto era proibido. Começava a perceber a sua ocorrência em conversas na sala de casa, na igreja e na sala de aula. Hoje, saber sobre e lutar para que não aconteça o racismo, a homofobia, bifobia, transfobia e interfobia fazem parte de meu repertório de vida e luta, mas no contexto e no tempo de que falei aparecia de forma gritante nos conselhos de classes. As sátiras com colegas por outros eram muito comuns e os “xingamentos” também de bichinha, viadinho ou sapatão. Era comum entre professores conversas demonstrando o preconceito e desconforto sentidos em relação a alunos dissidentes o que tomava maiores proporções nas reuniões de conselho de classe.
Incomodava-me o não-incômodo da direção sobre a questão e ficava a pensar nos alunos ao passar por homofobia na sala de aula ou áreas comuns da escola, me perguntava a quem iriam recorrer. Na época, eu margeava essa questão em minhas aulas e tentava acolher de alguma forma os alunos que passavam por isto, recebendo, porém, olhares atravessados dos docentes, o que ocorria muito mais por parte dos professores do que das professoras. E uma pergunta pairava no ar: Como expor o elefante branco na sala?
A discussão sobre gênero e sexualidade na escola é um megadesafio para nossa sociedade. Assim falar sobre esse assunto é muito importante, pois a possibilidade de discuti-lo ajuda a prevenir violências dentro e fora de casa e permite a pessoa ficar mais atenta e agir na esfera policial, apesar da sua insuficiência para punir agressores. Homofobia e transfobia matam, não podemos esquecer, matam pessoas, matam presentes e futuros.
Antes de ser um assunto a ser discutido na disciplina de sociologia, o que normalmente ocorre no período escolar, tem que ser também um assunto cotidiano. Nesse sentido, antes de chegar aos alunos em aula é preciso dizer que ele deve chegar a TODOS OS PROFESSORES/AS. Coloco em letras garrafais para não ser esquecido, além disso é preciso lembrar que não pode ser uma formação em apenas um encontro ou no mês de junho (mês da parada LGBTI+), tem que ser algo que aconteça de forma contínua, e as transfobias e homofobias cometidas por professores/as têm que ser denunciadas à direção e à polícia.
A sociedade é o lugar principal para essa discussão ocorrer, sabendo disso acredito que antes de incluir e discutir nos parâmetros curriculares nacionais, essas questões tão cotidianas de nossa sociedade precisam estar em todos os lugares para gerar consciência, ação e tornar cidadãos não só leitores de notícias sobre essa temática, mas parte da luta anti-homotransfobia, e interfobia porque essa luta é urgente e muitíssimo necessária. Não devemos ter este assunto rifado para interesses escusos, como, por exemplo, agradar grupos conservadores que acham que isso não deva ser uma questão relevante a ser discutida, descartando assim pautas de “grupos minoritários” na sociedade.
Encerro essa coluna perguntando como o ministério comandado por Camilo Santana, Silvio Almeida e a secretária nacional LGBTI+ Simmy Larrat podem agir nessas questões? Acredito que primeiro construindo um grupo de trabalho que envolva seus ministérios, secretarias de educação de Estados e Municípios assim como a sociedade civil LGBTI+. Um trabalho longo e necessário deve ser feito, mantendo o esperançar que nos ensina Paulo Freire sempre nutrido. Mãos na massa?
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.