Começou a tramitar na Câmara dos Deputados – e isso significa que tem um longo caminho pela frente – o Projeto de Lei 117/23, de autoria do deputado federal Rubens Otoni, do PT de Goiânia.
O projeto prevê, a princípio, o repasse total do couvert artístico aos músicos que estiverem se apresentando em estabelecimentos comerciais. O couvert artístico é aquela taxa cobrada por restaurantes, bares, shoppings ou outros estabelecimentos comerciais por oferecer uma atração artística ao vivo.
Por mais que Otoni esteja bem intencionado – e acredito que de fato esteja –, o PL traz em si inúmeros problemas. O principal deles é tratar coisas diferentes como iguais.
Não há como estabelecer que um barzinho pequeno, com um músico que leva o seu próprio equipamento e toca só, por exemplo, seja tratado da mesma forma que uma casa noturna grande.
Há bares que têm capacidade para duas, três mil pessoas ou mais, em que o dono mantém equipamento, técnico de som, iluminação, divulgação etc., além de várias bandas e artistas. A arrecadação de um local como esse para essas despesas, além do lucro, vem exatamente do couvert artístico. Se o dono passa a ser obrigado a repassá-lo totalmente para os músicos e artistas, seu negócio fica inviabilizado.
Receita e despesas
Há uma outra questão que também deve ser relevada. Estamos falando de serviços: música ao vivo, apresentações artísticas e similares. Quem contrata esses serviços quer ter lucros. E merece tê-los, de acordo com o regime em que vivemos. E há mais. Artistas têm quantidades de público diferentes, portanto valores diferentes. Como isso será dividido quando temos duas bandas na mesma noite, o que é muito comum? É dividido por igual?
Não há nenhum negócio em que um agente econômico, seja de qualquer natureza, participe apenas da receita e não das despesas. Fica a pergunta: por que os artistas deveriam ficar com todo o couvert artístico se, além deles, participam da empreitada uma série de profissionais já citados acima, além das despesas com aluguel, luz, impostos, divulgação etc.?
Fiscalização
O PL de Otoni fala também em fiscalização por parte dos músicos da quantidade de pessoas que entram e pagam. Diante de todos os senões apontados na primeira parte do projeto, não caberia discutir esse, mas vamos lá. O dono da casa, por exemplo, dá uma entrada de cortesia para um jornalista que divulga a casa. Quem arca com essa cortesia, o dono? Por quê, se o artista também se favoreceu dela?
As dúvidas são enormes. Quem trabalha ou trabalhou nisso sabe muito bem. Já existem, por exemplo, cachês mínimos estipulados pela Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) com os quais poucos conseguem arcar. Há leis demais que são completamente ignoradas por serem inviáveis. Acredito que, após passar por todas as comissões necessárias, o PL de Otoni deva voltar à estaca zero, ou seja, para a livre negociação, exatamente como é atualmente.
Há outras questões, como contribuição para a aposentadoria, assistência médica e odontológica, entre muitas, que talvez sejam mais urgentes e relevantes para se tratar envolvendo a vida dos artistas.
Enfim, vale o debate e a boa intenção. Mas é sempre bom encontrar um caminho razoável.