Começo esta coluna com uma pergunta que tem atravessado a semana: quantos pastores e padres você viu levantar a voz contra o genocídio Yanomami? Uns poucos gatos pingados aqui e ali, quase sempre os mesmos que há tempos vêm denunciando os desmandos e maldades do governo (graças a Deus!) passado. O silêncio quase absoluto da maioria não é somente um silêncio de conivência e alienação. É uma delação, uma entrega, uma denúncia e, mais que isso, uma confissão.
O cristianismo que chegou ao Brasil nunca soube o que fazer com os povos originários indígenas. A subserviência imposta no primeiro momento, inclusive (e principalmente!) da fé – é sempre bom lembrar que os livros de história sempre trazem a “Primeira Missa no Brasil” como um fato histórico relevante – , o apagamento de suas personalidades (índios e negros não tinham alma até se converterem ao cristianismo) e o desejo sempre latente de total destruição de suas vivências são sinais claros de um poderio à força e a dura imposição de uma nova ordem, patriarcal, branca e eurocêntrica.
Creio que o primeiro choque na invasão das terras sul-americanas se dá na nudez dos indígenas. Aqui cabe uma interpretação “bíblico-teológica” daquele acontecimento. Os povos europeus, todos bem catequizados pela cristandade tinham por certo que a nudez era algo reprovável. A primeira noção de pecado, no mito da criação, é a percepção de que “estavam nus e não se envergonhavam”. As roupas (e quanto mais, melhor) são sinais não só de pureza, como de poder e afastamento daquele estado anterior, primitivo.
Pois não é que os povos originários “andavam nus e não se envergonhavam?”. E a resposta é simples: a noção de “pecado” dos cristãos ainda não tinha chegado por essas terras. Antes de trazerem a “salvação”, os excelentíssimos senhores da fé cristã tiveram que trazer a “perdição”, o “pecado”. A liberdade indígena era uma afronta para a moralidade e a pureza dos dominadores. Era preciso acabar com aquilo. Se “andavam nus e não se envergonhavam” estavam num estágio anterior ao do “pecado bíblico”. Era preciso “pecaminizar” esse povo. E demonizá-lo ou lhes tirar a alma. No fundo, a mesma perversão “cristã” que acontece até hoje nos diversos fundamentalismos.
Não é de se espantar, então, que até hoje o sonho das missões em terras indígenas é “vestir” o povo. Cristãos eurocêntricos não suportam a nudez e a liberdade. Por essas e outras o carnaval também é demonizado. Como assim um povo tropical pode se comportar como um povo tropical, “caliente”, sensual, com corpos não dominados pela imposição de uma fé perversa e imperialista? É preciso “levar o Evangelho aos índios”. E vocês não imaginam o quanto isso representa de ofertas nos cultos missionários. São milhões todos os anos arrecadados para as “missões”. Entendem agora o silêncio? Entendem agora por que se preocupam muito mais com meninas vestindo rosa e meninos vestindo azul que a vida do povo Yanomami?
Indígenas, para essa gente “missionária”, é apenas motivo para continuarem com sua sanha imperialista e territorial, além da imposição cultural, porque “conversão de verdade”, pra essas pessoas, é quando um indígena veste terno e gravata, ou uma saia longa e grita Aleluia ao invés de ouvirem seus Pajés e cantarem suas cantigas da natureza. O silêncio dessa gente é a confissão de que esses povos nunca importaram como gente, mas sempre como “alvo missionário” e, pior, como algumas coisas vieram à tona, é melhor não mexer nisso porque pode ser que se descubra muito mais coisa e muitas mais agências missionárias envolvidas em escândalos, desvios e coisas do tipo.
A maior prova de amor que os cristãos podem dar aos indígenas é o fim das "missões de evangelização" entre os povos originários. Chega de colonização e aculturação em nome de uma suposta “proclamação do Evangelho". Respeitar e reverenciar a fé e a vivência desses povos é urgente e essencial.
Que os Deuses da floresta nos guardem de todo mal!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.