OPINIÃO

O Agro não gostou do Enem – Por Chico Alencar

Congressistas ligados ao setor criticaram o Enem, não pelos problemas que ocorreram, como locais de prova a mais de 30km da casa dos candidatos, mas porque não gostaram do gabarito

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Na quarta-feira (08), a Comissão de Educação da Câmara recebeu o presidente do Inep para responder a questionamentos acerca da prova do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio).

Foi um pedido de vários mandatos, incluindo o nosso. É dever de todo parlamentar exercer fiscalização sobre a atividade governamental.

O Enem teve 3.939.242 inscritos (60% de mulheres, a maioria do Nordeste). Apesar das cerca de 500 mil inscrições registradas a mais do que no ano passado, os números ainda estão distantes do recorde de 8,7 milhões de inscritos em 2014.

O não comparecimento continua alto: 28,1%, igual ao do ano passado. Para além de razões objetivas (problemas de saúde, familiares, dificuldades de locomoção), não haveria um certo "traço cultural" nacional negativo (o "deixa pra lá") nisso?

Diversos congressistas ligados ao setor agropecuário criticaram o Enem, não pelos problemas que de fato ocorreram, como os locais de prova a mais de 30km da casa dos candidatos, mas porque não gostaram do gabarito.

A Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA) pediu a anulação das questões 89, 70 e 71, sob a alegação de que as perguntas teriam sido "mal formuladas, de comprovação unicamente ideológica". Na verdade, é a bancada ruralista que está travando a luta ideológica quando não aceita perguntas que estimulem o pensamento crítico.

Na questão 71, por exemplo, a mesma bancada que tem aprovado projetos contra os direitos dos povos indígenas não concordou com a charge do artista Cazo, em que um ET é alertado por um indígena para que não confie no homem branco.

Pergunto: por acaso é mentira que a história da colonização das terras do Brasil trouxe inúmeras consequências negativas para os povos originários, inclusive com o extermínio de várias populações indígenas? É só olhar a realidade: estão aí os Yanomami e a crise humanitária de sua gente, que persiste no tempo.

Nas queixas a respeito da questão 70, ou faltou interpretação de texto ou a "carapuça serviu". Ao contrário do que preconiza a Frente Parlamentar, a pergunta não tinha viés ideológico contra o agronegócio. Pelo contrário, ela esclarecia que a expansão legal da soja não deve ser vista como única culpada pelo desmatamento, e sim as atividades ilegais de grileiros e madeireiros.

Também a questão 89, que traz trecho de um artigo elaborado por pesquisadores da Universidade Estadual de Goiás (UEG), publicado na revista científica Elisée, foi refutado. O texto tem, sim, um olhar crítico ao agronegócio, mas a partir de evidências. Destaca o impacto da expansão agrícola nas condições de vida de populações locais, a destruição da natureza e outros problemas relacionados à monocultura expansiva.

Precisamos da agricultura, é claro. O agronegócio é uma realidade e pode conviver com a agricultura familiar e a preservação da natureza. Desde que sejam respeitados os limites impostos pelo meio ambiente. O grande agronegócio, transnacional, não pode destruir a natureza em sua ânsia expansionista para a produção de commodities e não de alimentos.

As questões do Enem foram bem elaboradas, abordando, entre outros temas, discriminação social, opressão a mulheres, filosofia, povos indígenas, conceito de casamento, ditadura e democracia, extremos climáticos e direito internacional.

Ao contrário do seu antecessor, o presidente da República não manifestou desejo de "conhecer" de antemão as provas.

Seria óbvio que não o fizesse, mas, no Brasil, enxergar o óbvio nem sempre é a atitude que prevalece.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.