Sabia que Lanny Gordin era o mítico guitarrista que participou de vários álbuns tropicalistas de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jards Macalé e, sobretudo, Gal Costa. Entre os dela, o "Fa-Tal - Gal a Todo Vapor", de 1971, ao vivo, em que também tocava o jovem Pepeu Gomes.
Sabia também que, assim como vários companheiros de geração, entre uma de suas diversas experiências com LSD acabou diagnosticado com esquizofrenia. Na época era comum se dizer que ‘fulano pirou’, ‘sicrano viajou’. Lanny, enfim, era um mito bem nos moldes dos anos 60 em70. Daí em diante, caiu no ostracismo.
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Não fosse isso, e seria certamente reconhecido tanto como Sérgio Dias, dos Mutantes, e o próprio Pepeu. Acabou relegado a ídolo de músicos.
Sabia disso tudo quando entrei em uma unidade do SESC, em Santos, pra assistir um show seu. Estávamos lá eu e umas 20 ou 30 pessoas, quando um sujeito calvo e esquisitão, aparentando uns 60 anos, saiu do meio do público, pegou a guitarra e começou a tocar.
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Era ele.
Foi impossível não perceber uma certa decepção do pequeno público com a música que se ouvia então. Estava a léguas de distância dos riffs de guitarra tão característicos dos primórdios do rock e do movimento tropicalista. A música de Lanny soava muito além disso tudo e de qualquer outro modismo. Reproduzia melodias inusitadas, escalas orientais, ritmos quebrados, enfim, algo – mais uma vez – totalmente novo, completamente contemporâneo e muito pouco, mas muito pouco mesmo comercial e palatável.
Tudo novo de novo
Posto isso, parecia que aquele show reestabelecia uma certa verdade. De volta aos lendários álbuns que Lanny participou, sem demérito a ninguém, a impressão que ficou então é que os baianos tropicalistas devem muito mais a ele do que o contrário. Muito ou quase tudo que havia de realmente novo ali naquele som era obra de Rogério Duprat e da sua guitarra.
Um álbum que pode e deve ser ouvido com toda a atenção é o “Lanny – Duos”, produzido em 2006, pelo cantor e compositor Péricles Cavalcanti e por Glauber Amaral. Com a participação de uma verdadeira constelação de artistas, entre eles, Gil, Gal, Caetano, Macalé, Adriana Calcanhoto, o próprio Péricles, Chico César, Arnaldo Antunes, Rodrigo Amarante entre outros, o álbum faz justiça plena à lendária guitarra de Gordin.
O disco todo, que aparece apenas no YouTube, é feito basicamente pelas vozes dos cantores participantes e o instrumento de Gordin. E é nele que se ode ouvir com clareza sua genialidade, toda a construção harmônica, rítmica e melódica, a maneira inovadora e delicada com que construía seu tecido sonoro.
Nada soa básico, comum, dentro dos parâmetros a que nos acostumamos. Lanny Gordin foi, de fato, um músico único. O próprio Péricles comentou em sua conta do Facebook, em uma homenagem emocionada ao guitarrista em razão de sua morte, nesta terça-feira (28):
“Vale observar, que a genialidade de Lanny, que em poucas horas, à cada dia, gravava uma faixa, além da guitarra, ainda tocava Baixo elétrico. Todos ficávamos encantados com a maneira ágil, natural e profunda como ele desenvolvia as harmonias, as ‘levadas’ e os solos, tudo rapidamente. Enfim, foi um prazer e um orgulho participar desse álbum que foi muito mais que uma homenagem a esse grande artista da música, pois ele próprio foi o centro, a razão e o motor de todo aquele universo sonoro”, encerra.