MOVIMENTO INÉDITO

Itamaraty: pode estar perto a primeira greve da diplomacia brasileira

Há tensão no Ministério das Relações Exteriores, com um clima de insatisfação generalizada entre os diplomatas do piso da carreira. Eles consideram que o sistema de promoção da diplomacia brasileira favorece a cristalização das castas que controlam o Itamaraty e exigem critérios transparentes

O Palácio Iramaraty, o ministro Mauro Vieira e a secretária-geral Maria Laura da Rocha.Créditos: Reprodução / Itamaraty / Senado
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A renúncia da presidenta da ADB (Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros), a embaixadora aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, na última quinta-feira(23), fez ferver o Palácio dos Arcos, a sede do Itamaraty. Discretamente, como convém ao ambiente diplomático. Ainda silenciosa, a insatisfação na diplomacia brasileira pode explodir em breve na primeira greve da história. O tema é o sistema de promoção no interior da carreira diplomática. 

A saída da presidenta da ABD, organização que conta com mais de 1,6 mil associados, foi decorrência da Assembleia Geral que aprovou praticamente por consenso documento que denuncia a “existência de obstrução quase completa à promoção de secretários e conselheiros aos níveis hierárquicos mais elevados da carreira de diplomata”. O documento aprovado demanda regras transparentes e baseadas em critérios objetivos para as promoções. 

Ao repudiarem tentativas recentes de politização do assunto, os diplomatas reconhecem que o estrangulamento é resultante de décadas de regras pacientemente costuradas pela burocracia do Itamaraty, o que acabou por bloquear a ascensão dos secretários (o primeiro nível da burocracia) e cristalizar um sistema opaco, calcado em simpatias, compadrios, indicações políticas e perenização dos clãs familiares da diplomacia, sob o disfarce da meritocracia.

O projeto aprovado na Assembleia da ADB se desenvolve paralelamente a um outro, articulado pela burocracia do Itamaraty. Ainda não conhecido pelo público, o “Projeto de Nova Lei do Serviço Exterior Brasileiro (SEB)” está aos cuidados da Secretaria-Geral do Ministério. O temor entre os diplomatas da base é que a administração não leve em conta as reivindicações em debate nas duas entidades que os representam: a ADB e o Sinditamaraty, ao qual também são filiados oficiais e assistentes de chancelaria, as duas outras carreiras do Serviço Exterior Brasileiro.

Absorvido em assuntos como o conflito no Oriente Médio, BRICs, G20, COP 28, relações com Argentina e Mercosul, o chanceler Mauro Vieira, pelo que se comenta nos corredores e salões diplomáticos, não estaria diretamente envolvido no tema. Ainda assim, o problema pode respingar sobre o titular da pasta, responsável por um dos principais ativos do governo federal e pela condução de uma das agendas mais ambiciosas de Lula.

A julgar pelo documento de diagnóstico divulgado pela administração, o projeto da Secretaria-Geral mantém o status quo sem grandes modificações. Por isso foi objeto de crítica no documento aprovado na assembleia dos diplomatas. Para eles, o projeto da cúpula não mexe com um aspecto central do sistema atual, segundo os diplomatas do “chão de fábrica”: a falta completa de transparência e de critérios objetivos.

Segundo o documento aprovado pelos mais de 300 presentes na assembleia, a progressão funcional deve ser “previsível, transparente e equânime” “por meio de critérios objetivos, como a computação de tempo de serviço e de pontos acumulados ao longo da carreira na forma estabelecida por lei ou portaria”. 

Uma das maiores reclamações dos diplomatas é a Comissão de Promoções, o órgão que dá a palavra final sobre as promoções e que funciona cujos critérios para decisões são desconhecidos por todo o corpo diplomático.

Caso o impasse não seja superado, a tensão e a temperatura tendem a se elevar no Itamaraty. Segundo um dos diplomatas participantes das discussões sobre a modificação nos critérios de promoção, “não há solução sem implodir a pirâmide que engessa o Itamaraty”. Segundo o mesmo diplomata, a imagem da pirâmide sequer é a mais adequada, completou: “Nós não temos uma pirâmide, temos um fosso geracional: quem chegou antes já está no topo e lá permanecerá por décadas, enquanto as turmas mais recentes ficam sem perspectivas de ascensão”.
A pirâmide será implodida, o fosso será aterrado?
Os próximos movimentos prometem emoções fortes.