Quando a canção “Romaria”, de Renato Teixeira, explodiu na voz de Elis Regina, em 1977, era ainda um adolescente e jamais iria imaginar que, anos depois, viria a gravar com o compositor e ter uma relação bem próxima com ele. Renato é um contador de “causos”. Sempre tem inúmeras histórias pra contar. Uma das mais inesquecíveis que ouvi dele foi sobre a composição, que viria a se tornar, para a surpresa dele, o hino informal de Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil.
O combinado até então, segundo ele, é que Elis gravaria naquele disco de capa preta sua canção “Sentimental eu fico”. Um dia, ele chegou no estúdio e foi surpreendido pela versão dela de “Romaria”, a mesma que encantaria o país meses depois e por todas as décadas seguintes.
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Foi um sucesso retumbante. Além de todos os méritos e da beleza irretocável da canção, a gravação ainda teve o mérito de quebrar inúmeros preconceitos que a classe média ainda tinha com a música caipira.
O próprio Renato contou em entrevista ao jornalista José Hamilton Ribeiro, no programa Globo Rural, que ficou surpreso com o sucesso da canção. “Eu quis fazer uma coisa sofisticada. Nunca imaginei que fosse se transformar numa canção tão popular. Eu acho que a força dela está exatamente em mexer com um símbolo brasileiros muito forte, que é Nossa Senhora. Era uma canção do romeiro, aquele que vai para Aparecida. Aí você começa a ver como ela penetra no inconsciente coletivo do povo brasileiro”, disse.
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E, de fato, “Romaria” é uma canção extremamente sofisticada, ao contrário da maioria das que costumam explodir em paradas de sucesso. A trajetória do romeiro, acompanhada por versos refinados, desemboca sempre em um refrão maravilhoso, que faz o famoso trocadilho com o pequeno município de Minas Gerais:
Sou caipira, Pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida
Ao longo dos anos, a canção se transformou na maior e mais popular referência à Padroeira do Brasil, que terá seu dia comemorado na próxima quinta-feira (12), que é também o Dia das Crianças. Diz a lenda que, no ano de 1.717, pescadores jogaram suas redes no Rio Paraíba do Sul, com o objetivo de pescar peixes grandes para um jantar especial para o Conde de Assumar.
Não conseguiram pescar nada. Quando já estavam quase desistindo, um pescador chamado João Alves apanhou uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, primeiro o corpo e depois a cabeça, e enrolou-a em um manto. Em seguida, as suas redes, que até então estavam vazias, começaram a ficar lotadas de peixes.
Um país em que a fome e o desamparo sempre fizeram parte de grande parcela da sua população, foi natural que a santa, com sua lenda intimamente ligada à fartura, tenha se transformada na protetora de seu povo, em sua santa mais popular.
Renato Teixeira, sem cair na panfletagem barata, conseguiu traduzir como ninguém com sua canção o significado da santa para o povo brasileiro, através de seu personagem solitário em busca de si próprio.
Um sujeito que nunca viu a sorte, não sabe rezar, mas que ao pedir paz nos desaventos – um lindo neologismo que junta as palavras desavença e desalento – entrega a única coisa que tem: “meu olhar, meu olhar, meu olhar”, que repetido assim três vezes, reafirma o desafio da vida de quem não tem nada, mas faz questão de entregar tudo o que tem.
Uma obra-prima da nossa música que, assim como a Padroeira, cresce em significado a cada ano.