O drama da família de Samah Sabawi em Gaza é também o drama dos milhões de palestinos que vivem no que definem como "maior presídio a céu aberto do mundo".
São mais de dois milhões de pessoas em uma área de apenas 365 quilômetros quadrados, cercada e vigiada diuturnamente.
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Nascida em Gaza, Samah tem nacionalidade canadense mas vive na Austrália, país do qual também obteve cidadania.
Ela é doutora em Filosofia pela Universidade de Victoria, com a tese "Herdando o Exílio, trauma transgeracional e identidade palestino australiana".
Escolhi Samah porque ela representa milhões de pessoas cujas famílias foram destroçadas pela guerra e pela resistência à ocupação imposta por Israel.
Palestinos que vivem também no Brasil e cuja diáspora é quase planetária.
Como conhecida ativista pelos direitos humanos, Samah tem usado seus perfis nas redes sociais para fazer alertas.
Este, por exemplo:
Caros jornalistas, Israel mente. De 'terra sem povo para um povo sem terra' a 'não existe palestino' a 'fazer o deserto florescer'. Estes são apenas os [exemplos] clássicos. Posso escrever um livro sobre o número infinito de mentiras. Portanto, verifiquem as informações e as fontes antes de publicar. Obrigado!
Ela provavelmente se referia à onda de desinformação que tomou conta das redes depois do ataque do Hamas a Israel a partir de Gaza.
Vídeos antigos, reciclados como sendo de assassinatos cometidos pelos palestinos.
"Notícias" não confirmadas sobre suposta degola de 40 bebês.
Crianças em gaiolas, que teriam sido feitas reféns.
Samah foi além disso, colocando em dúvida informações divulgadas oficialmente por Israel.
Relatou o drama de seus parentes que continuam em Gaza.
Os Estados Unidos estariam organizando uma retirada em massa rumo ao Egito.
A tia perguntou a Samah se, passado o conflito, poderia retornar.
Ela respondeu que não tem como garantir:
Conheço limpeza étnica quando vejo. Ela [a tia] se nega a sair. Morte ou exílio eterno.
De acordo com as Nações Unidas, desde o início dos bombardeios a Gaza mais de 180 mil pessoas perderam o domicílio dentro do pequeno território.
500 mil palestinos já viviam nos campos de refugiados mantidos pela ONU em Gaza antes do mais recente conflito.
A única usina de eletricidade de Gaza deixou de funcionar hoje, por falta de óleo diesel.
Os hospitais estão lotados.
Com isso, um dos objetivos estratégicos e de longo prazo dos partidos religiosos de extrema direita de Israel está a caminho de ser realizado: uma retirada em massa dos palestinos de Gaza, rumo ao Egito e outros destinos.
A saída de mulheres e crianças do território abriria caminho para a destruição completa do Hamas, objetivo declarado de Israel.
Afinal, dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza, metade são crianças.
Mas, para além disso, daria conta de mudar o desafio demográfico enfrentado pelo Estado de Israel.
Hoje, 7 milhões de israelenses e 7 milhões de palestinos de alguma forma "convivem" na Israel real, para além da ideia de dois estados que só existe nas propostas da ONU.
Na Cisjordânia, palestinos vivem acossados por colonos que acreditam ocupar a Terra Prometida -- houve 800 ataques armados contra civis palestinos até agora este ano, de acordo com as Nações Unidas.
Em Gaza, o êxodo em massa cumpre o objetivo de desfazer concessões feitas no passado.
Em março deste ano, a ministra Orit Strock, do Partido Sionista Religoso, afirmou: "Não sei quanto tempo vai levar. Infelizmente, um retorno a Gaza vai envolver muitas perdas, assim como a saída de Gaza [em 2005] resultou em muitas vítimas. Mas afinal é parte da Terra de Israel e a o dia vai chegar em que retornaremos a ela".
Esse dia está chegando.