NOVO GOVERNO

Subiu o nível da discussão política nos últimos meses – Por Raphael Fagundes

O argumento econômico da esquerda é muito mais atrativo e convincente que o argumento liberal

O presidente Lula e seus novos desafios.Créditos: Reprodução/Youtube TV Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Com o fim do governo Bolsonaro, a qualidade da discussão política certamente aumentou. A estratégia da extrema direita para atrair um número grande de seguidores está ligada à pauta moral. Muitos acreditam que a pauta da esquerda também era, mas quando Lula chegou ao poder, o que ficou mais evidente, é que o grande conflito entre mercado e Estado se tornou o epicentro das discussões na grande imprensa.

Há uma aproximação entre a imprensa tradicional e as esquerdas em termos morais. Causas civilizacionais como a obtenção de espaços na política, no trabalho e na educação pelas minorias é um ponto de convergência. Mas na questão econômica estão em lados opostos.

Por sua vez, os bolsonaristas coadunam com a grande imprensa em termos econômicos. Paulo Guedes é um agente da Faria Lima, da ideologia mercadista etc. Mas o tumulto político provocado pelos bolsonaristas, de fato, afastou as corporações financeiras da extrema direita. Afinal, o barulho é bom para os negócios já que serve para esconder seus propósitos originais: ampliar os lucros a qualquer preço. “Passar a boiada” é o plano do mercado. Mas, devido à própria insanidade que é o neoliberalismo, nem mesmo tanto barulho (ou uma catástrofe) é capaz de esconder toda a crueldade que comporta. Agora, a imprensa não enche o seu noticiário com as frases polêmicas de Bolsonaro. A mídia vendia muita notícia com elas. Vender as sandices vociferadas por Bolsonaro era um grande negócio. Alienava o debate político, abrindo caminho para a execução do teto de gastos.

Bolsonaro não ganhava popularidade pela defesa de um determinado modelo econômico. Seus seguidores são alheios a tal questão. Seus asseclas, de um modo geral, o seguiam por conta de se apresentar como um defensor da tradição moral.

Quando toda essa polêmica abandona o debate público, resta apenas o que é o centro da discussão política no sistema capitalista: a economia política.

É através da economia que iremos encontrar os recursos para um projeto desenvolvimentista. É através dela também que as elites extraem seus lucros. É através dela que se discute os direitos trabalhistas e a distribuição de renda.

Essas discussões são muito mais caras aos defensores do neoliberalismo, como a nossa imprensa tradicional.

Se as discussões políticas ficarem presas à ciência econômica, é muito difícil de os liberais conseguirem convencer a população da tese bolsonarista que excita o mercado: “Ou mais direitos e menos empregos ou menos direitos e mais empregos”. Se não fosse todo o discurso moral que Bolsonaro conseguir capitalizar, um candidato com esse slogan jamais venceria as eleições.

Parece alguém que se despiu e mostrou, de fato, como é o seu corpo. O discurso liberal puro, sem adornos, sem ornamentos excêntricos e espalhafatosos, revela apenas a ideia de que para salvar a economia é preciso cortar os gastos públicos.

Esse discurso conseguirá se sustentar por si só depois de uma quadra da história marcada pelo moralismo? A razão pura do cálculo matemático para salvar as contas dos mais ricos e atrair investidores vai convencer os trabalhadores a cederem seus direitos, a se darem para esse projeto que visa pauperizá-los ainda mais?

A esquerda ampliou seu espaço midiático. As redes sociais, podcasts etc, vêm disseminando com maior facilidade o pensamento econômico e social de esquerda. Já é possível encontrar pessoas que sabem sobre o marxismo fora das universidades.

Basta a esquerda expor sua posição. O argumento econômico da esquerda é muito mais atrativo e convincente que o argumento liberal.

A primeira missão é mostrar que a lógica matemática defendida pelos liberais está certa, mas é apenas matemática, portanto, não valem, como dizia Einstein, refletindo sobre a matemática, “do ponto de vista da ‘verdade’ e congruência com os fatos da experiência”. É preciso cortar gastos para ter recursos. Contudo, os recursos podem vir sem cortar gastos (pelo menos de forma tão abrupta como defendido pela política de austeridade que vem do governo Temer).

Tudo se mostrou uma grande farsa. O plano era cortar gastos para o setor privado preencher a lacuna. Mas isso não se comprovou porque o setor privado não quer correr riscos. Só quem tem condições de correr riscos é o Estado. Ou seja, a ideia de que os cortes atrairiam investimentos gerando crescimento e emprego não se confirmou. É a vez do investimento estatal. Este gera emprego. Gera renda. Gera consumo fazendo com que a economia volte a crescer.

O Estado deve investir no setor de tecnologia, área que dinamiza o capitalismo. O setor privado não irá fazer isto. Renda e capital humano são os maiores imãs para investimentos. Isso é fato. É histórico. Inclusive para o caso da economia brasileira.

São nesses termos que a discussão política deve se travar a partir da vitória de Lula, não no espetáculo truculento e moralista que se apresentava. E combater as falácias do mainstream econômico é tarefa da esquerda.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.