Ouvi mais de uma vez: o Caribe brasileiro mora nas águas mornas e límpidas de Alagoas. Discordo.
O turquesa de São Miguel, Maragogi, Milagres e Japaratinga é muito, muito mais belo. Não sei se pelo sotaque dos jangadeiros, pelo sabor do agulhinha, pela elegância dos coqueiros; talvez a resposta seja tudo isso temperado com a branquíssima areia fina, a vegetação dos mangues e restingas, a brisa fresca; não esqueçamos da correria dos caranguejos, da revoada das garças vaqueiras, da chegada dos pescadores.
Então, por justiça e gosto, digo e assino embaixo: o Caribe pode, sim, ser chamado de as Alagoas da América Central.
Mar como o da terra de Djavan, Nise da Silveira e Cacá Diegues, para mim não há. Que cubanos, venezuelanos e outros vizinhos latinos do lado de lá do Equador, me perdoem se exagero. Tenho meus motivos e eles são além mar.
Quanto mais visito mais me encanto com as Alagoas. Penedo, no interior, é vistosa com seus palacetes, catedrais, teatro e cinema. Tudo muito bem preservado e tombado, como deve ser. Agreste próspero na beira do São Francisco.
No sertão, verde com o carinho da chuva farta de 2022, a euforia de Piranhas. A capital do cangaço se orgulha em contar as aventuras de Lampião e Maria Bonita. História ilustrada e documentada no museu dos cangaceiros, nas pinceladas dos artistas populares – parabéns ao seu Rubério - e em passeios guiados entre mandacarus e xique-xiques.
O turista também se surpreende, ou se encanta, com um símbolo da gentileza alagoana, expressa no convite de sempre.
- Senta, por favor.
A gente chega cansado de pisar na areia fofa, com panturrilhas latejantes de subir escadarias ou encharcado de suor pelo calor sertanejo e, claro, aceita.
Então, como diz o título da crônica, tome assento porque lá vem história.
Não cabe suspense ou mistério. Quero falar a você do móvel que nos acolhe quase tão generoso como a gente alagoana: a cadeira. Não, não é qualquer cadeira.
Cadeiras de plástico, as mais baratas que existem. Leves, práticas e que se multiplicam. Talvez pela crise, talvez por ser fácil de transportar, ou por que deu vontade de comprar, elas são um sucesso.
Quatro pernas todas têm, daí pra cima os estilos são tão variados quanto os arbustos da caatinga. Algumas arredondadas, outras miudinhas; têm aquelas mais altas, de encosto grande e ainda as quadradas, um tico mais espaçosas.
Com braços largos para descansar os cotovelos? Têm.
Com assento reforçado, que suporta senhores pesados, mulheres grávidas e criançada grande no colo da avó? Ô se têm.
Cores disputam preferências. Da branca nenhuma ganha. Depois, quase empatadas, vermelhas e amarelas.
Verdes e azuis, a gente também encontra. Menos, mas encontra.
Se prestar atenção, você vê na beira da estrada, no posto da Polícia Rodoviária, na barraca de amendoim e garapa.
Nos vilarejos, a gente enxerga embaixo da mangueira, sob o sol escaldante do verão com gente bronzeada ou na fila do Bolsa Família.
A cadeira é estrela na mobília dos ribeirinhos e no salão de sinuca; nos quiosques da praia e nos restaurantes. Desafia sol e maresia.
É nela que sentamos para saborear a moqueca de Cioba, o churrasco de bode, a cocada de forno.
Bem recostado, seu Jaime, craque da sanfona, brinca de Sivuca e Domiguinhos. O neto vê fotos da namorada, quase deitado numa vermelhona e com os pés espalhados numa verde limão.
Discute-se política, trabalha-se com artesanato, torra-se farinha, namora-se...onde tem gente lá estão elas.
Também se toma assento para explicar os mistérios do futebol e dar um palpite cada vez mais comum entre o mar e o sertão.
- Nem CRB, nem CSA, este ano o campeão vai ser o Asa de Arapiraca.
Na capital Maceió, visite a periferia de calçadas estreitas e veja com seus olhos: é cadeira de plástico que não acaba mais.
Nos apartamentos chiques da Pajuçara o visual é diferente. As cadeiras são de cedro e até de pereiro, árvore de madeira dura muito comum na caatinga. Porém, não é delas que falamos. Não é nelas que sentamos.
Nestes mesmos prédios, peça para olhar a guarita, o quarto de descanso do zelador, a garagem. Adivinhe o que vai encontrar?
No salão de beleza da Fagna, na lotérica do Ednilson e na pizzaria do Jeferson ninguém espera de pé.
De manhã, à tarde e à noite, passam o picolé de cajá, o milho cozido, o queijo coalho e a raspadinha. O povo compra, paga e come sem levantar o bumbum da cadeira.
Não pense que a regra é do descanso ou da preguiça. Alagoano que trabalha muito sabe aproveitar os intervalos. Quem vê sentado enxerga melhor, lição que logo se aprende nesse cantinho refrescado entre salgado do atlântico e o doce do São Francisco.
Na igreja, sessenta e quatro cadeiras, todas brancas, limpas e bem perfiladas esperam os irmãos. Na calçada em frente, outras quatro cercam a disputa do dominó regado na pinga da terra, em outra três jovens dividem um cigarro.
O céu rosado avisa que a farra do dia acabou, é quando a caminhonete acelera com uma churrasqueira, cinco mesas e vinte cadeiras de plástico. Vai ter alegria e forró em algum recanto do sertão e quando o povo cansa, toma assento que a cerveja gela e a prosa esquenta.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.