Hoje peço permissão para trazer uma coluna que escrevi há mais de 4 anos, nos Jornalistas Livres, sobre o filme “Ex-Pajé” e que dialoga muito com a tragédia/crime que assistimos, atônitos, que se abateu sobre o povo Ianomâmi. Infelizmente o tema permanece atual. Só acrescentei um parágrafo no final do texto. Vamos lá!
Emocionado, maravilhado, abalado, envergonhado.
Foi com esse misto de emoções que saí da sala de projeção no Cine Belas Artes de Belo Horizonte após assistir o filme/documentário “Ex-Pajé”, dirigido por Luiz Bolognesi.
Explico a avalanche de emoções: sou pastor evangélico, e boa parte do filme trata da estranha e violenta relação entre uma missão evangélica (batista, denominação que abraço) e o “ex-Pajé” Perpera, que teve sua pajelança questionada e “encerrada” de forma sórdida e cruel por parte da igreja que se instala em sua aldeia.
A demonização da cultura e da religião indígena é de uma violência sem tamanho. Nada novo para um projeto que vai muito além de uma honesta evangelização, mas trata-se, na verdade, de um grande processo de colonização, subalternização e aculturação indígena que passa pelo discurso e força da religião “cristã” (as aspas aqui são necessárias). Religiões chamadas primitivas e, geralmente não brancas, são sempre demonizadas e, mais que uma possibilidade de convívio entre as diferentes cosmovisões, faz-se necessário, nesses casos, um total aniquilamento do inimigo, para que o projeto final seja concretizado: o total ocaso das religiões inimigas.
O filme, de forma poética e resgatando o melhor sentido do profetismo, faz a denúncia dessas violências, mas sem entrar no jogo de certo/errado, o que dá mais força ainda à narrativa dirigida por Bolognesi, que deixa ao espectador a percepção e a conscientização através da própria vivência dos índios Paiter Suruí, principalmente os dramas do “ex-pajé” Perpera.
A força do canto, da mística e da espiritualidade indígena são de emocionar e nos fazem perceber a riqueza, grandiosidade e leveza que existem numa cultura milenar (bem anterior à fé cristã) e que leva a tribo a entender as forças da natureza de forma tão bela e que se manifesta, principalmente, na sua relação espiritual com a natureza, beleza esta agredida e retirada pelas forças da colonização religiosa à que são submetidos, muitas vezes em troca de remédios, assistência e até mesmo, convívio (que é negado aos que não se “convertem”).
O olhar triste e constrangido do “ex-pajé” ao sofrer a violência que lhe é imposta pelos missionários é ponto marcante no documentário e traduz, sem palavras, a crueldade que lhe é imposta e lhe obriga a abandonar a beleza e sua natureza de pajelança e cuidado dos seus. Imperialismo em nome de um deus branco e inimigo da sua própria história.
Mas, e não quero correr o risco de dar “spoiller”, não há força imposta que tire de nós a essência. E ao fim do filme há um sopro de esperança que me fez chorar de emoção, alívio e vergonha. Vergonha por, de alguma forma, estar ligado a esse sistema que oprime, elimina culturas e vivências e faz isso “em nome de deus”. Emoção e alívio por já há alguns anos entender que não há, no Cristo, violência e imposição quaisquer que deslegitimem outras experiências e percepções do Sagrado.
A verdadeira fé, aquela mais íntima, que sistema religioso nenhum é capaz de dominar, sempre prevalecerá! Ainda bem!
Para além disso, é preciso, URGENTEMENTE, que se averigue, investigue a fundo a relação dessas “missões evangélicas” com a exploração ilegal das áreas indígenas e sua ligação com garimpeiros e grileiros. Não é possível que uma simples ONG receba quase 1 BILHÃO de reais em 4 anos para, simplesmente, fazer atendimentos (que não foram feitos) aos povos da floresta. Ainda mais num governo que, declaradamente, era anti-indígena, antidemarcação e, todos sabemos, antivida!
Que Deus e os Espíritos da floresta e dos rios não nos abandonem!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.