Em 2019, completaram 30 anos que os brasileiros foram às urnas escolher um presidente depois de um quarto de século proibidos de votar para o maior cargo do Executivo. Um marco importante para a história do país. Contudo, cabe lembrar que, em 1989, Luiz Inácio Lula da Silva já era o principal adversário das elites que controlavam o país.
Já eram empregados métodos para impedir sua vitória. A ex-namorada do petista, Miriam Cordeiro, deu um depoimento que o acusou de sugerir um aborto quando ela descobriu que estava grávida. Foi o suficiente para se afirmar que Lula era contrário aos valores da família brasileira.
O contexto internacional marcado pela queda do muro de Berlim não favoreceu os candidatos de esquerda em várias partes do mundo. A mídia brasileira, por seu turno, não poupou gastos para construir a imagem de Collor de Mello como o mais espetacular caso de self-made-man da história política do Brasil. De acordo com Américo Freire e Alessandra Carvalho, “os principais veículos de comunicação do país, cada qual a seu modo, fecharam com o presidente eleito. Collor, afinal, cumprira a ‘nobre missão’ de barrar a vitória eleitoral da esquerda socialista".[1]
Nos anos 1990, a principal preocupação da política era a estabilidade econômica e financeira. Fernando Henrique Cardoso conteve a inflação com a criação do Plano Real e promoveu uma forte aliança entre PSDB, PFL e PTB, argumentando que iria manter a estabilidade. A retórica política era que, com a vitória de Lula, “haveria o perigo do retorno da inflação e da desordem social”.[2]
A mesma estratégia foi usada em 1998 para a reeleição de FHC. Sua imagem, contudo, depreciou-se com o “grampo das teles" e com a “crise do apagão” de 2001. José Serra não tinha argumentos econômicos tão convincentes, já que os oito anos de neoliberalismo não contribuíram para a redução das desigualdades e o país mergulhou em uma forte crise. O PIB de 2001 havia caído de 4,3% para 1,3%.
Em 2002, Lula se apresentou como um novo candidato. Um político que não colocava mais medo na elite financeira, principalmente por causa de seu vice, o empresário José de Alencar. Em vez de confrontar seus adversários, Lula preferiu a negociação. Durante os anos petistas vigorou a conciliação de classes, na qual empresários e bancos se enriqueceram ao mesmo tempo em que uma política social de distribuição de renda foi implantada, melhorando a vida das classes mais pobres.
O contexto internacional de valorização das commodities foi fundamental. Além disso, durante os anos 2000, a China passou a ser o principal parceiro econômico do Brasil. A visão privatista foi abandonada e o Estado voltou a ser o principal agente e planejador econômico.[3]
Mas as elites buscaram desestabilizar o projeto de poder petista. O “mensalão” apresentou denúncias manipuladas que incriminavam o PT exacerbadamente, parecendo que, de tal partido, emanavam todos os males que assolam o país. O mensalão foi um ensaio para o que viria acontecer em 2016.
Devido ao presidencialismo de coalizão, o PT teve que fazer alianças com as alas mais sujas da política tradicional, o que culminou na eleição da chapa Dilma-Temer em 2010.
O mensalão foi um projeto frustrado porque o país passava por um bom momento econômico. Lula foi reeleito usando a mesma estratégia que agradava os empresários, afirmando, em uma palestra para tal classe em 2006, que uma pessoa quando vai ficando idosa dificilmente permanece de esquerda. Tal discurso arrancou risos e aplausos do auditório.[4]
Em 2010, o primeiro operário eleito presidente da República entregou o país a Dilma com um crescimento do PIB de 7,5% e com o dólar a 1,66.
As elites sabiam que seria impossível tirar o PT do poder perante tanto prestígio no cenário nacional e internacional. Mas um vírus foi colocado fortuitamente no poder para sondar o governo petista: Michel Temer.
As elites aprenderam com o mensalão que para desestabilizar o poder não basta os escândalos de corrupção, mas à desestabilidade econômica. A queda internacional do preço das commodities foi a oportunidade que as elites tiveram para afundar Lula e o governo PT. A Lava Jato foi usada politicamente para construir a imagem de que o PT era o principal vetor da corrupção do país. Destruiu a Petrobrás e as empresas ligadas a ela.
Lula não era mais presidente da República, mas não deixou de ser o principal alvo dos ataques encomendados pelas elites. Métodos muito mais radicais que os de outrora foram necessários para impedir, mais uma vez, a vitória da principal personagem da democracia brasileira dos últimos 30 anos. O juiz Sergio Moro atropelou a lei e, em nome da boa-fé, promoveu a estigmatização pública de um acusado antes de seu comparecimento à Justiça[5], com o apoio de uma mídia que espetacularizava as conduções coercitivas, principalmente a do próprio Lula, em 4 de março de 2016, o que ampliou o apoio popular ao impeachment de Dilma no mesmo ano.
Cozinharam o “caso Lula" até 2018, prendendo-o em segunda instância claramente para impedir a sua concorrência à presidência da República. Hoje, o STF já voltou atrás da decisão, mas as eleições já passaram.
Aos 74 anos, Lula continua sendo alvo da mídia e das forças econômicas que querem impor um modelo de gestão pautado na concentração de renda e na venda das estatais. O principal líder da democracia brasileira ainda assusta as elites que não medem forças para impedir o seu retorno ao poder. Toda a política gira em torno de seu nome. Todos os caminhos vão em sua direção. Não há como negar a importância deste personagem na história recente do Brasil.
[1] FREIRE, A e CARVALHO, A. As eleições de 1989 e a democracia brasileira: atores, processos e prognósticos. In: FERREIRA, J. e DELGADO, Lucília. O Brasil republicano: o tempo da nova República. V. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, P. 147.
[2] MOTTA, M. A estabilização e a estabilidade: do Plano Real aos governos FHC (1993-2002). In: FERREIRA, J. e DELGADO, Lucília. O Brasil republicano: o tempo da nova República. V. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, P. 246
[3] MOTTA, R. P. Sá. O lulismo e os governos do PT: ascensão e queda. In: FERREIRA, J. e DELGADO, Lucília. O Brasil republicano: o tempo da nova República. V. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, P. 419.
[4] https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-esquerda-precisa-definir-o-Lula-que-quer/4/38548
[5] ANDERSON, P. No Brasil, mistérios de um golpe de Estado judicial. Le monde diplomatique Brasil, ano 13, n. 146, set. 2019, p. 07.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.